Santana de Choufferes e Cabrioletes

Santana do Ipanema no início da década de sessenta, possuía poucos carros. Somente alguns citadinos mais influentes, comerciantes e agropecuaristas, desfilavam pelas ruas guiando seus automóveis. Jovens dos anos rebeldes, à Praça do Monumento, filhos da Santana mais abastada, se ajuntava a velha guarda pra falar de garotas, do iê-iê-iê e de carros. No rádio músicas de Elvis Presley “Kiss me Quick” e “Bridge Over Troubled Water”, se alternavam em sucessiva repetições a pedido dos ouvintes. Na moda imitar os trejeitos do garoto de Menphis, dos quatro de Leverpool e também do lendário James Dean. Os embalos dos sábados à noite ocorriam na noitada ao Monumento santanense. O cabelo com topete, empolado luzidio de brilhantina. A calça apertada, os óculos ray-ban. Pra dar o charme o sóbrio blusão preto e um cigarro apagado na ponta dos lábios. Tantos e tantos fariam caras e bocas e deixariam pra posteridade numa foto o que estava em voga, a rebeldia dos anos dourados. As garotas usavam belos vestidos que lhes acentuavam as curvas, com imensas saias fofas de anáguas e babados, imensas madeixas retesadas com laquê pra manter o visual e cílios postiços que acentuavam o olhar de nossas Jaquelines Kennedy e Leilas Diniz. Foi no ano de 1962 desses encontros casuais, em plena praça pública, nasceria à festa da juventude.

AeroWilis, CarmannGhia, Lamborghini, Gordini, Variant, Corcel, Passat, Fusca eram os carros de passeio da moda. Jipes, Caminhonetas, FNM e Rurais eram utilitários adaptados a vida urbana. Se refletia no país, o padrão de vida americano. As singelas “baratinhas” e calhambeques punham jeito dos anos quarenta no mundo que se renovava a cada momento. Em meio ao crescente progresso os carros de bois nunca cairiam em desuso, bem como graciosas charretes e cabriolés disputavam espaço com barulhentas carros de passeio e punham aura de fita italiana as ruas e avenidas de uma Santana feliz.

A Gazeta de Alagoas retratava nas entrelinhas um estado em crise política, nossos parlamentares estaduais em pé de guerra. A "terra do Gogó da Ema" em estado de sítio. Valderedo, Zé Gago e Zé Crispim nossos anti-heróis, nada tinham de Robin Wood nem do Sheik das Arábias. Através da tela do Cine Glória e depois o Alvorada, chegavam as tendências, os modismos. Carro na Santana dos anos sessenta era referência, espécie de status quo pra quem os possuía. Os bancários do Banco do Brasil praticamente todos tinham, Seu Esdras, um AeroWillys. À tampa estofada da parte interna do pára-brisa traseiros ia um cão de pelúcia, a réplica de um pastor alemão que balançava a cabeça pretendendo imitar um cão de verdade. Seu Domício Silva todos os dias adentrava e saía da Avenida Martins Vieira no seu Carango verde claro, com teto de napa preta. Faróis feito bola, suspenso nos pára-lamas, lembravam olhos de siri. Evocavam ainda antigos carros que pareciam nos filmes alemães da segunda guerra mundial. Seu Antonio Redondo tinha um Calhambeque que os meninos apelidavam de “fubica”. O motor já não era mais o original, teve um dia que perdeu o controle e acabou chocando-se contra o balaústre do consultório odontológico de Doutor Antônio. O mesmo aconteceria com o CarmannGhia de Doutora Nícia esposa de Doutor Paulo Onofre já este teria ido chocar-se na antiga Praça das Coordenadas de fronte ao Posto Esso ao lado da mercearia de Seu Benício.

Em um só quarteirão, a um só olhar, a juventude transviada santanense iniciava a vagar seus sonhos reais. Sonhos iniciado às bancas do Grupo Escolar Padre Francisco Correia, que os veriam aflorar da tenra infância, passando pelo Ginásio Santana de cujas paredes emanavam história, nas velhas fotografias dos diretores que ali passaram numa imemorável moldura de madeira imitando um livro aberto, e que inspirariam poetas, juristas e mestres a almejarem irem sempre mais adiante, e isso os enchiam de orgulho. No oitão, o palco dos deleites, Teatro de Amadores Augusto Almeida e o Tênis Club Santanense.

O Calhambeque, o Cadilac, carros que ficaria na moda por muito tempo. A Jovem Guarda trataria de tornar amuleto de sorte portar anéis, pulseiras cintos com desenho do carro que tocou o coração dos brotinhos sessentistas. O Simca com pneus faixa branca, faróis traseiros rabo de peixe, a marca de pneus Good Year que atravessaria gerações. A lanchonete Pic-Nic de Seu João Salgado. O Wolks apelidado de fusca ganhando popularidade se embrenhando no sertão como mostrava a propaganda, a cidade de Brasília ainda infante.

Seu Leopoldo era nosso vizinho do Monumento e gostava tanto de carro. Meu pai fretaria sua caminhonete pra no dia do casamento vir de Olho D'agua das Flores a Santana do Ipanema com minha mãe. A possante caminhonete Chevrolet que apesar dos pomposos guardas lamas não ganharia apelido tal qual ganharia tempos depois o gracioso fusquinha. Eugênio Teodósio também tinha uma caminhonete Chevrolet. Com ele ia meu pai duas vezes ao mês à cidade pernambucana de Caruaru fazer compras pra abastecer a mercearia. Senhor Leopoldo depois da caminhonete possuiria uma rural. Tanto zelo tinha pelo carro que mesmo estando na garagem cobria-o com um fino tapete em dias de chuva para protegê-lo de respingos, e em dias de verão pra proteger dos ventos e redemoinhos. Muito tempo se passou e Seu Leopoldo foi embora, deixou Santana para trás foi morar na capital. Antes nunca tivesse feito isso, pois num de seus passeios matinais nas passarelas da Praia da Avenida, pura ironia do destino, justo uma das máquinas de viajar que ele tanto apreciava, uma Veraneio, desgovernada subiu o meio fio e veio ceifar sua vida no passeio defronte pro mar.


Fabio Campos

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