Folia de Carnaval

Corredor da folia em Santana do Ipanema. Desde defronte a Associação Atlética Banco do Brasil até a Praça Senador Enéas Araújo, os blocos, as troças dando um colorido bonito à cidade. Alegorias suspensas nos postes. Alegres máscaras de pierrôs, arlequins e colombinas. Saltimbancos, apelidados de bobos e caretas estalando relhos, produziam sons guturais, pondo medo nas crianças. Frívolos foliões desenferrujando as avenidas. Carnaval, festa de sacudir a cidade. Carnaval sempre chegava pondo máscara alegre, no rosto sisudo do burgo. Máscara bufona enchia de frenesi a urbanidade.

Carnaval, festa pra guardar na gaveta, a cara fechada do ano inteiro. Carnaval, moleque brincalhão, chega e afasta a sisudez. Enche de maquilagem e fantasia, a aparente sensatez da plebe. Carnaval ri das formalidades, sátira aos empolados bons costumes. Carnaval debocha dos fricotes das madamas. Carnaval, festa pra se esbaldar, pra deitar e rolar, pra deixar aflorar na pele do homem, o menino que um dia fora. Pular carnaval faz sacudir da alma a crosta do acabrunhamento, da rabugice, do mau humor. Tempo de dar viva a Zé Pereira, viva a Juvenal que inventaram o carnaval.


Carnaval de Infância


Na Praça da Bandeira os meninos se ajuntavam em turmas para guerrear com lanças cheias d’água. A caixa de Maisena ou o pacote de Farinha de Trigo surrupiados da cozinha de casa, pra jogar nos mascarados, nos outros meninos. Havia sim, algumas regras, mas regras são feitas para serem quebradas, dava prazer quebrá-las. Não podia usar água sanitária, nem urina nas lanças. Cinza do fogareiro, óleo queimado, graxa de sapato inutilizava roupas e fantasias. Valia usar, caso fosse, em turmas de outros bairros. Pela manhã começavam os desfiles dos blocos pelas ruas. De casa em casa iam troças e os meninos acompanhavam, aumentando a bagunça permitida. Molhava-se a casa toda. Farinha virava um massapé que dera origem ao nome mela-mela. À tarde alguns blocos desfilavam em carros aberto, pela cidade. As pessoas se concentravam no largo da Praça Senador Enéas Araújo. Mães de família com seus filhos belamente fantasiados, crianças ostentavam fantasias de super-heróis, pierrôs, colombinas e arlequins. Num palanque improvisado com lastro de tábuas, apoiadas encima de tonéis. A orquestra apelidada de “Teimosa”, sob a batuta do saudoso maestro Miguel Bulhões, tocava frevo até anoitecer. O locutor Francisco Soares com um sonoro “Alôôôô maestro!” anunciava o início da folia, ali do “Quartel General do Frevo”. Momentos antes o prefeito Adeildo Nepomuceno Marques passara a chave simbólica da cidade, ao rei Momo, representado pelo bancário José Abdon Malta Marques, o homem mais obeso da cidade. Simbolicamente Santana do Ipanema ficaria sob seu comando durante o tríduo momesco. As crianças se divertiam com a presença de alguns foliões fantasiados. Seu Nozinho o mais antigo folião, tentava, sem conseguir, se disfarçar de palhaço, denunciado pelo seu imenso bifocal, andar claudicante cobrado pela idade. Ao cair da noite o povo ia pra casa jantar, estava encerrado o carnaval das crianças, por aquele dia. Os adultos iam se preparar para o frevo nas dependências do Tênis Club Santanense, que varava a madrugada ao som da Banda Tabajara, tocando frevo e melodiosas marchinhas para deleite dos foliões que viajavam nos braços de Orfeu. Subiam a ladeira do farol, iam pelas ruas de Olinda de Claudionor Germano, mestre Capiba e Edécio Lopes.


Carnaval de Juventude

Os anos passaram embalados nos sonhos dos foliões. O empresário da construção civil, senhor Paulo Ferreira de Andrade, subiu, pelas mãos do povo, à administração de Santana do Ipanema. Impulsionou as atividades culturais no município, deu ênfase a sétima arte, o cinema. O carnaval do Rio de Janeiro chegou pela tela panorâmica do Cine Alvorada. E surgiu as Escolas de Samba. Juventude no Ritmo e Unidos do Monumento. Tamanquinho comandava uma, e Joãozinho a outra. Um clima bom de rivalidade saudável existia entre os dois bairros da cidade. Sob a égide de São Cristóvão o bairro Camoxinga, fincado após a margem direita do riacho que lhe emprestou o nome. Bairro Monumento encimado pela margem esquerda do rio Ipanema sob a proteção de Nossa Senhora da Assunção. O Comércio era campo neutro, ali defronte a Matriz de Senhora Sant’Anna, a avó do mundo, velava pelos netinhos santanenses. Povo que foliava, se esbaldavam na festa mais profana da cristandade. A efusão de Blocos e escolas de samba feito tsunami de alegria cotejavam inflamando o largo. Sorrisos nos lábios, camisa aberta no peito. Mãos erguidas num aceno coletivo pra Orquestra, como num apelo para que nunca cessasse o frevo-folia. Profusão de cores incendiando o Paço. Exaltação dos espíritos. O calor do povo, o ululante apupo, longe, longe se ouvia. Retumbar de tambores, resplandecer de clarins, volúpia e vibração da aura que envolve cada um. Musicalidade zunindo pro limbo o acabrunhamento, afastando o comodismo da alma mais tímida que estivesse ao Largo. Um arrebatamento de contente nos semblantes. Confraternização de harmonia. Uma paz brincalhona estendendo suas asas sobre o populacho. Era carnaval.


Pra onde foi a folia de Outrora?

Hoje em dia são outros os carnavais. Facções tomaram lugar dos blocos. Já não deitam pelas ruas a alegria de outrora. Arremedos de troças e bloco de tempos passados, melancolicamente desfilam, misto de bêbados e equilibristas. A maioria prefere, estar encima de um veículo migrando pra outros lugares. A esmo, seguem em busca da alegria. Pra onde foi a alegria dos carnavais de outrora? O que está dentro de si mesmo. Em vão, buscam não sabem onde. Nessa busca vale tudo. Até procurar a frivolidade do carnaval, talvez afogada dentro dos rios. Sequiosos seguem em busca dum espelho do líquido precioso, como se da água conseguissem tirar a energia para brincar o carnaval.


Fabio Campos

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