A Caminho do Cruzeiro

Maria, naquele momento lembrava-se de Santana. Não conseguia conter o choro. Nem podia, forte demais, o que lhe acontecia. Muitos anos se haviam passado. Lembrava-se do tempo de menina, quando ainda morava com seus pais. Na pequena Vila da Ribeira de Santana, onde nascera e se criara. De quando viviam naquela casinha rústica, de taipa, amava aquela simplicidade. Gostava de cuidar de ovelhas, de acompanhar a ordenha, de brincar com as outras meninas de sua idade. Cultivar a terra, colher milho e feijão. Das idas ao panema pra tomar banho. O pai falecera, era criança ainda, jamais esquecera. Sozinhas, ela e a mãe, as duas se ajudavam. Juntas conseguiam suportar a dor de ser, órfã, e viúva. Sabia, um dia, a filha seria pedida em casamento. E José fora ter com elas, numa manhã de segunda-feira.

Aproximava-se a páscoa. Pondo no povo prévias ocupações com as tradições envolvendo o recolhimento religioso. Desde as primeiras horas do dia, peregrinação pelos arredores da cidade, Lagoa do Junco, Maniçoba, Lajedo Grande. Cedo se abriam as portas do templo que logo ficava repleta de fariseus. Ao som de cítaras e harpas, iam depositar oferendas no altar. À porta da Matriz de Senhora Santana, bancas diversas, de tudo vendiam. Crias de gado miúdo, primogênitos sem defeito, pombas e rolas. O comércio intenso no passeio. Estendia-se até o final da Rua Tertuliano no sábado.

Quando Jesus chegou, alvoroçou-se toda a cidade, perguntavam entre si: - Quem é este? A multidão respondia: - É Jesus, o profeta de Nazaré da Galiléia! Ao se aproximarem do Bebedouro, Ele disse a um dos doze: - Adiante encontrareis logo uma jumenta amarrada e com ela seu jumentinho. Desamarrai-os e trazei-mos. De fato, à porta de Seu Zé Urbano havia o animal. Trouxeram a jumenta e a sua cria, cobriram-nos com seus mantos e fizeram-no montar. Ao passar nas portas dos casebres, o povo estendia os mantos pelo caminho. Morava por ali Zaqueu, fiscal da prefeitura, era baixinho, pra conseguir ver Jesus subiu a um pé de algaroba. O povo cortava galhos de Maniçoba e catingueira, acenavam e espalhavam pelo caminho. E toda a multidão que o seguia, clamava: - Hosana ao filho de Davi! Bendito seja aquele que vem em nome do Senhor! Hosana no mais alto dos céus! Belo céu, azul de terça-feira.

Jesus se aproximando dos degraus da igreja Matriz, expulsou dali todos aqueles que se entregavam ao comércio. Derrubou as mesas dos cambistas e os bancos dos negociantes de pombas. E disse-lhes: - Está escrito: Minha casa é uma casa de oração, mas vós fizestes dela um covil de ladrões. Ao saírem dali, os discípulos aproximaram-se de Jesus e fizeram-no apreciar as construções. O antigo sobrado, cheio de janelas, o hotel de Maria Sabão. O casarão em estilo colonial de Seu Frederico. As casas comerciais, o cine Alvorada. Jesus, porém, respondeu-lhes: Vedes todos estes edifícios? Em verdade vos declaro: não ficará pedra sobre pedra; tudo será destruído. Tomaram o rumo da Floresta, e se assentaram na encosta da montanha. Ficaram ao sopé da Serra Aguda até o amanhecer da quarta-feira.

No primeiro dia dos pães Ázimos, os discípulos aproximaram-se de Jesus e perguntaram-lhe: Onde queres que preparemos a ceia pascal? Respondeu-lhes Jesus: - Ide à cidade, no pavimento superior do velho sobrado, ali dirás: O Mestre manda dizer-te: Meu tempo está próximo. É nesta casa que celebrarei a Páscoa. Os discípulos fizeram o que Jesus tinha ordenado. Ao declinar da tarde, pôs-se à mesa com os doze discípulos. Após a ceia retirou-se Jesus com eles para um belo regaço. Um lugar com muitas árvores, chamado Sítio Baixio, às margens do riacho Camoxinga. E disse-lhes: Assentai-vos aqui, enquanto eu vou ali orar. Era chegada a hora. Andando pelo aterro da Avenida Pancrácio Rocha, vinha vindo Judas Iscariotes, com os soldados. Combinara com estes o sinal: Aquele que eu beijar, é ele. Prendei-o! Aproximou-se imediatamente de Jesus e disse: - Salve, Mestre! E beijou-o. Já a noite havia caído, era quinta-feira.

Os soldados do governador, pela Avenida Nossa Senhora de Fátima, conduziram Jesus ao Tribunal de Justiça. Depois do julgamento, rodearam-no com todo o pelotão. Levaram-no pro quintal do tribunal. Arrancaram-lhe as vestes e colocaram-lhe um manto escarlate. Ali foi açoitado a um pelourinho, até que estivesse completamente coberto de sangue. De galhos de um limoeiro, trançaram uma coroa de espinhos. Meteram-lha na cabeça e puseram-lhe na mão uma vara. Tiraram-lhe o manto e entregaram-lhe as vestes. Em seguida, levaram-no para o crucificarem. E desceu o cortejo pela Rua Benedito Melo. No estreito beco que desce pra Rua Professor Enéas Araujo, Jesus resvalou nas imensas pedras do calçamento irregular. Pelas vias íngremes cairia por três vezes. A um pescador chamado Simão Cireneu, que vinha do panema, obrigaram-no a levar a cruz de Jesus. Ao Chegar a um lugar chamado Cachimbo Eterno, subiram o Alto do Cruzeiro. Lá no alto, dividiram suas vestes entre si, tirando a sorte. Cumpriu-se assim a profecia. Dois ladrões foram crucificados com ele. Próximo da hora nona, Jesus exclamou em voz forte: Eli, Eli, lammá sabactáni? - o que quer dizer: Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste? Triste, sombria tarde de sexta-feira.

Maria chorava, pelo seu filho. Desde a hora sexta até a nona, cobriu-se toda a terra de trevas. Um dos soldados que punha guarda afirmou: - Verdadeiramente, este homem era Filho de Deus! Havia ali também algumas mulheres que de longe olhavam. Maria Madalena e Maria, mãe de Tiago, de José. A mãe dos filhos de Zebedeu também estava ali. Seguiam Jesus desde a Galiléia para o servir. À tardinha, um pecuarista chamado José de Arimatéia, foi procurar o governador, e pediu-lhe o corpo de Jesus. Ao descer o corpo da cruz, os joelhos dobrados de Jesus tocaram o lajedo, e milagrosamente moldaram-se duas pequenas covas na pedra. Envolvendo-o num lençol branco, José de Arimatéia o depositou num sepulcro novo, que havia mandado talhar para si, ali na rocha. Depois das três horas da tarde, Santana caíra numa tristeza profunda. Os que seguiam Jesus estavam reunidos, muito tristes lamentavam. triste. Talvez esquecidos do que ele havia dito em parábolas. Sobre o porvir, e das coisas magníficas que ainda estariam pra acontecer, naquela manhã de domingo.


Fabio Campos

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