Cinco Minutos



O espetáculo era ainda mais deslumbrante no mês de maio. Desfraldava o manto negro da noite, e a noiva mais cortejada do mundo, a lua cheia, surgia. Insinuando-se pro nubente, o serrote da Camonga, colossal monstro verde, de cujo peito se derramava uma cascata cor de prata. Da tribo nativa que habitava as cercanias, veio o nome Camb-mo-anga, que significava leite derramado, do seio da lua, pra amamentar o espírito da mata.

Desde então, a implacável ventania do tempo soprou, e viu tombar os bravos guerreiros, e seus espíritos foram habitar perpetuamente o coração do gigante herbáceo. Vieram as entradas e bandeiras, e com elas o homem branco. Muitas luas se passaram, e edificada ali, a fazenda “Arauna do Gravatá” de nome indígena que significava ave negra, da palmeira.

Mesmo curvada ante os pés do majestoso noivo da lua, a construção campestre impunha respeito. Nos seus pomposos arremates, do lastro a cumeeira, evocava imemorável tempo da colônia. Tudo ali respirava história, os entalhes nas pilastras de sustentação, os frisos de portas e janelas em estilo barroco. A roda do moinho. Dúzia e meia de vidas humanas habitavam os aconchegantes e prazerosos cômodos daquela edificação rurícola, no século que sucedeu a primeira geração. Senhor Manoel Justiniano Costa e Sá, dona Hermínia Valadares Costa e Sá, sua estimável esposa, onze filhos e a criadagem.

Júlio Capristano Costa e Sá, o primogênito, interessa-nos citar. A ele pertence tal história, ora contada. Entre ele e aquela família, algo de misterioso havia. Algo velado, que precisava ser revelado. Ele próprio queria saber o que era. Achava-se em feições e atitudes, diferente dos irmãos. O grosso modo como era tratado por seu pai, talvez ajudasse a reforçar essa teoria. Mesmo tendo empregados a quem pudesse dar ordem para executar determinados serviços, o pai numa espécie de capricho, encarregava a ele. Tudo o que o diáfano véu da inocência, e a tenra infância, encobrira, vinha à tona. Agora somente, quase homem feito, Júlio percebia.

Maria Cecília, nela Júlio não parava de pensar. A executar árduo trabalho de roça, não esquecia um só momento de Cecília. Não lhe saía do pensamento, aqueles olhos amendoados lhe olhando. Sedosos cabelos em cascata, prendido ao meio por uma fita. A sua aproximação, aguçava o faro tentando captar-lhe o doce perfume. Sua voz macia, maviosa melodia pro seus ouvidos, a simples lembrança, enchia de paz seu coração, muitas vezes atribulado.  Cecília morava na fazenda Bangalô do Bode, que fazia divisa com a propriedade do seu pai. Os dois se viam todos os dias, na casa de dona Maroca, professora, da cartilha do ABC. Júlio tinha vontade de declarar-se a Cecília, não gostava da história de serem apenas bons amigos. Sentia mesmo era amor por ela. Certa vez, lá estava Júlio, a beira do grande lago, em busca de uma novilha, que escapara do cercado. Encontrou-a pastando calmamente numa grota verdejante. Levaria um bom tempo pra conseguir laçá-la, a rês se assustara. Já ia alto o sol quando conseguiu. Exausto precisou descansar, aplacou a fome com algodãozinho-do-mato e umbu.

Esplendor de magnífica beleza, o lago refletindo o azul celeste, a relva. Diante daquele magnífico cenário pastavam um cavalo e a garrota, enquanto dormia um rapaz. Velava-os o imenso gigante verde, do peito de pedra que abrigava os espíritos dos índios. Júlio sentiu que alguém lhe chamava, ao levantar a cabeça não quis acreditar no que via, diante dele um índio, um bravo guerreiro da tribo funiô. Imponente cocar a cabeça. Braços, peito e pernas, do corpanzil titânico pintados pra guerra. Disse que tinha uma história pra lhe contar. E contou. Falou do grande combate com os homens brancos, massacre que acontecera com seu povo. O grande pai da aldeia, o chefe “Aruanã-Carê” no meio do embate fugiu, e ele Acauã-Jerê, o seguiu. Ambos acabariam perseguidos pelos homens do pau de fogo. Cansado, o velho Pajé parou no meio da mata, sabendo que ia ser alcançado, disse ao filho pra prosseguir. Antes, confidenciou-lhe um segredo. Disse que num dos rituais da tribo, o espírito de um branco havia lhe aparecido, e lhe contou, de um dia ter escondido no fundo do poço, que o seu povo buscava água no sopé da serra da Camonga, um grande tesouro em dobrões e peças de ouro em quantidade tanta, que homem nenhum conseguiria carregar sozinho. O índio disse a Júlio que ele de fato não era filho legítimo da família Costa e Sá, era na verdade, fruto do relacionamento de Dom Manuel e uma cabocla, que vivera na fazenda e que ao dar a luz a ele, faleceu depois do parto. E naquele momento, encarregou de resgatar o tesouro e ir embora com Cecília o grande amor de sua vida.

Já ia a noite quando Júlio saiu dali. Tomou o rumo do poço, iria naquela madrugada em busca do tesouro. O índio dissera que ele iria enfrentar alguns obstáculos que não eram desse mundo. Seus cinco sentidos deviam estar atentos. Depois que o relógio da matriz de Senhora Santana tocasse as doze badaladas da meia-noite, devia iniciar o resgate. Ele teria cinco minutos para chegar a botija, se nesse tempo, não conseguisse tocar uma das arcas cheias de ouro, ficaria para sempre prisioneiro na terra dos mortos.
De frente ao poço teve a visão pavorosa de um cavalheiro do apocalipse, apanhando um punhado de terra jogou nos olhos do cavalo, que despencou no precipício. Chegou a um lugar árido, e ele teve sede. Surgiu-lhe uma mesa posta, no meio do deserto, uma jarra de água fria e cristalina, ao tocá-la sentiu na boca, forte gosto de sangue, e derrubou a mesa que sumiu no mesmo instante. Um zumbido ensurdecedor ameaçou-lhe estourar os tímpanos, lembrou-se da voz de Cecília a dizer-lhe:- Tenha fé! E cessou o ruído. Sentiu o perfume dos cabelos de sua amada chamou-lhe pelo nome, delirava, pensou tê-la visto a sua frente. Chegou a estender-lhe a mão, e uma imagem pavorosa d e um demônio no inferno lhe veio, e o cheiro de enxofre impregnou o ar. Atirou naquela direção um crucifixo que um dia Cecília lhe dera, e tudo sumiu. Finalmente resplandeceu na sua frente a luz do tesouro, imensas arcas derramadas de peças de ouro, ao estender o braço para tocar o tesouro, seu corpo começou a se desmanchar, tornando-se pó. Lembrou-se dos versículos bíblicos “és pó e ao pó tornarás” ao recitá-los seu corpo começou a restaurar-se, e tocou a primeira arca de ouro. O tesouro cegava-lhe tanto era o brilho, tal qual a luz do sol, verdadeiramente, era a luz do sol. Júlio desfalecido ao pé da montanha, de companhia, um cavalo e uma rês. Inicialmente baixinho, depois foi aumentando a ponto de ecoar pelas montanhas dizia, e repetia: -Cinco minutos.

Fabio Campos   

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