O PORTAL

Ao menos duas vezes ao dia, íamos à bodega de Seu Ozéias, comprar pães para o café da manhã e a janta, e outras tantas coisas, que todas as mães do mundo, necessitam para realizar os afazeres domésticos. A taberna ficava logo no início da Avenida Coronel Lucena Maranhão, em Santana do Ipanema. Minha casa ficava no largo do Monumento. Cinquenta anos separam aqueles, dos dias que vivemos pra contar este episódio. Recrudescendo aos fatos recorrentes de infante, vamos nos encontrar realizando tais empreendimentos. E quão agradáveis impressões causavam-nos ir àquela bodega. A ingênua criancice admitisse talvez, que fosse pelo fato de que ali se negociava os mais desejados manjares, os pirulitos em formatos diversos. Claro, ia além disso.

Entrar na bodega de Seu Ozéias era como sair do mundo real. Era como adentrar a um mundo estranho, num lugar longínquo. Uma viagem ao desconhecido. Uma expedição, uma aventura aguardava-nos adiante dos umbrais daquela porta. Balcões de madeira com vitrinas de vidro. Prateleiras toscas, repletas de garrafas. Fardos de charque, latas de sardinha do porto, e de manteiga real, querosene jacaré e sacas de cereais. Era o que os olhos desarmados de um viajante comum conseguiam enxergar. Tudo que viam era que ali não passava de uma reles mercearia. Menino enxergava mais longe. A cada canto um tesouro a se explorado, aguardando ser conquistado. Antigas cédulas, dobrões de prata, a balança Filizolla, o relógio de pêndulo com algarismos romanos. A máquina registradora e sua campainha. Os cartazes, as propagandas de cigarro. Dois objetos pendurados na parede chamavam pra si a atenção, a imagem de São Jorge guerreiro, ao lado de um escudo, um brasão de família.

“Brasão dos Vieiras
Um escudo Vermelho
Com seis vieiras de pra
Disposta Duas a duas
Encimadas por dois bordões
De Santiago cruzados
Enlaçados Por cordão real”

A família Vieira veio do Minho, proveniência minhota, do período imperial português. Rui Vieira fidalgo muito honrado do tempo de Dom Afonso II, Rei de Portugal, e de seu filho Dom Sancho II, viveu pelos anos 1220, senhor da Quinta de Vila Seca, na freguesia de São João, comarca de Vieira, onde morou e morreu. É a pessoa mais recuada que traz o sobrenome Vieira. A ele se referem as inquisições de Dom Dinis, dizem que o concelho de Vieira foi honrado por ele. De Rui Vieira vieram os filhos Pedro Rodrigues Vieira e João Rodrigues Vieira, pai de Afonso Anes Vieira abade de Sousela, que teve por filho a João Afonso Vieira. É desse tronco, dessa árvore genealógica que surge os irmãos Martinhos Vieira. Os irmãos, Pedro Vieira e Martinho Vieira, atravessando o atlântico viriam aportar em terras brasileiras e adentraram os sertões em busca de terras devolutas. Figuram hoje como fundadores da cidade de Santana do Ipanema.

Seu Ozéias era figura excêntrica, homem mediano, caucasiano. Usava um pequeno bigode, o cabelo aparado aos modos dos soldados nazistas alemães. Um óculos de armação preta que marcava o rosto. Vivia sempre lendo. Colecionava revistas em quadrinhos. Com os meninos barganhava um doce por um gibi. A bodega de Seu Ozéias poderia ser considerada o refúgio dos super-heróis. Bem ali por traz das sacas de açúcar, no depósito, um menino mais afoito talvez até encontrasse a Liga da Justiça, quem sabe a gruta secreta, a batcaverna do homem Morcego. Numa daquelas estranhas caixas uma pedra de criptonita, o elemento que Lex Lutor tanto procurava pra destruir o Super-Homem. Não duvidasse que a qualquer instante entrasse por uma daquelas portas o destemido Tex vindo do longínquo Arizona. O Fantasma o herói secular com seu cão fiel estaria encrencado com os nativos, em busca de sua amada Diana. Dom Diego de La Vegas o famigerado "Zorro" disfarçado de freguês antes de sorver sua dose de conhaque perguntou a Seu Ozéias, o por quê da devoção a São Jorge.

Dom Nuno Alváres Pereira, Condestável do Reino, considerava São Jorge o responsável pela vitória portuguesa na batalha de Aljubarrota e ali estava a Ermida de São Jorge a testemunhar esse fato. Os Cruzados ingleses ajudaram o Rei Dom Afonso Henriques a conquistar Lisboa, em 1147, teriam sido os primeiros a trazer a devoção a São Jorge para Portugal. No entanto, só no reinado de Dom Afonso IV o uso de “São Jorge!” como grito de batalha se tornou regra, substituindo o anterior “Santiago!”. O Rei Dom João I de Portugal era também, devoto deste santo, em 1387, ordenou que sua imagem a cavalo fosse transportada na procissão de Corpus Christi.




Fabio Campos

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