A Botija da Furna da Onça

O Local

Nas terras a noroeste da vila de Santana, um maciço se destaca. O Serrote da Furna da Onça. A elevação sedimentar é encimada por um magnífico penedo. Enegrecido, úmido e o musgo que o recobre, indica ali, a presença duma nascente. Descortina-se ante quem, coloca-se ao cimo, de esplendorosa paisagem, até aonde a vista alcança, um vale recoberto de mata nativa. Clareiras esporádicas, revelam a presença de construções, são as rústicas fazendas. Duas delas, do sopé da montanha, se encontram mais próximas. A fazenda dos Rêgos, esta margeia a estrada que leva a Pernambuco. E a fazenda dos Vieiras, distante da outra quase uma légua, fica no sentido contrário, e leva a vila de Santana do Ipanema. Justamente pra aquelas bandas, a torre da igreja, se eleva, e uma nesga, de nuança vária, assinala a presença buliçosa da urbe. 

Origem do Nome 

Os primeiros causos que determinou o nome da gruta, vem do tempo dos escravos e dos índios que habitavam a região. Histórias de uma onça afamada. Histórias contadas nas senzalas, passadas de pai pra filho, e que chegaram aos nossos dias. A onça na boca dos contadores de causos, adquiria proporções descomunal. Agigantada no porte físico, e nas peripécias praticadas pra escapar das armadilhas dos fazendeiros. Pelas conotações atribuídas ao animal, acabariam por torná-la uma lenda viva. A caverna do serrote era onde se refugiava. Só saindo à caça, protegida pelo manto negro da noite, fazendo sua presa, gado bovino, gado miúdo de lã e homens. 

Primeira Versão sobre a Botija 

Conta que um preto velho, de cento e dois anos de idade, na hora da morte, teria chamado o dono da fazenda, o senhor Pedro Vieira, e teria confidenciado um segredo que guardava consigo desde quando era, um jovem escravo ainda. Eis a versão do escravo centenário, moribundo, seu tetravô contou-lhe também na hora ultimada, que um grupo de corsários teria atacado a fazenda de um rico fazendeiro da tradicional genealogia dos Rêgo. Os salteadores teriam feito a todos, reféns, e assassinado o patriarca da família. Teriam levado consigo, armas, mantimentos e objetos valiosos. Junto a esses despojos, seguiu muito cobiçado pela corja, uma arca contendo muitas pedras preciosas e moedas de ouro. Ao se arrancharem num determinado lugar, para o pernoite. Um dos corsários teria matado todos seus companheiros, enquanto dormiam, e fugira para a gruta da onça. Ali enterrando a botija, intencionando voltar noutra ocasião pra pegar. Acontecendo do mesmo, nesse maldito retorno, teria acabado presa do felídeo. Tornado-se alimento da pintada, antes mesmo de desenterrar a botija. A alma desse infeliz ficou vagando pelos arredores da furna. Dizem que em dia de finados, quem tiver coragem de ir até lá, à meia-noite, enfrentar a onça, e acender-lhe uma vela. Em aparição, ele revelará o local da botija, pra finalmente descansar em paz. 

Segunda Versão

O velho capataz, da fazenda de Seu Ferdinando Rêgo, costumava contar em noite de lua cheia, quando o lobo-guará uivava pras bandas da furna. Ou em noites de tempestade a beira do fogo, quando um urro grotesco costumava ser ouvido, junto com os estalidos dos trovões e o flamejar dos relâmpagos lá no serrote. Que a história da botija, vem, de quando as terras da fazenda eram ainda sesmaria. E foram divididas, pelo então donatário da capitania de Pernambuco Duarte Coelho, entre o senhor Frederico Rêgo e o senhor Epaminondas Vieira. As terras que deveriam ser doadas a apenas um colono, acabou ficando pra dois. As duas famílias, por conta dessa repartição, criaram uma intriga. E qualquer coisa era motivo pra brigas. A onça participava na história, pois atacava o gado de um, e de outro fazendeiro. E eles se acusavam. Punha a culpa, um no outro, pelo sumiço de cabeças de reses. Os anos se passaram. As famílias se acertaram pra um confronto. Decidiriam em combate, quem tomaria conta das terras toda. Não dava pra persistir naquele entrave, que vencesse o melhor. E se preparam pro confronto. Muitos jagunços de ambos os lados. No meio do tiroteio, o velho Frederico, sentindo que ia perder a batalha, foge até a furna da onça. Leva consigo, um baú cheio de pedras preciosas e dobrões de ouro. A onça ataca-o, e ele craveja em seus olhos, duas pedras preciosas, cegando-a. Ferido de morte o fazendeiro perde o equilíbrio e cai no precipício. Muitos anos se passaram. Dizem que todo aventureiro que por ali se arrancha em noites invernosas. Foge apavorado de medo, ao ouvir o uivo de dor da onça, ou seria do velho, caindo no abismo? Se olhassem para trás, com certeza veriam, os olhos de ricas pedras incandescentes, da fera, brilhando na escuridão. 

Terceira Versão

Esta história, será sempre a menos contada. Mas é, a que mais gostamos de ouvir. Só os mais velhos têm coragem de contá-la. Assim mesmo, só quando se embriagam são capazes de pô-la, a narrativa. É versão vexatória. Mácula de família. História contada tão ligeiro que mal se sabe de onde saiu. E ninguém se atreve a perguntar de quem ou de onde partiu. Conta, que a esposa do fazendeiro Praxedes Vieira, uma senhora muito bonita, que era em idade, muitos anos mais nova que seu companheiro conjugal. Dado que, um dos filhos de seu arqui-rival Durval Rêgo, dera pra deitar em segredo, interesse por aquela matrona, mesmo sabendo-a, propriedade de quem era. O romance secreto se concretiza. Através de cartas trocadas, levadas por jagunços de confiança de ambos, eles combinam um encontro. Praxedes, raposa velha, acaba desconfiando, e em surdina, investiga. O fazendeiro, acaba descobrindo a traição, no seio do seu enlace matrimonial. Depois de flagrar sua companheira em adultério. Teria então, pego a mulher a pulso, e levado até a furna da onça. Era uma noite medonha, coberta de uma densa névoa e uma ventania gélida soprava do leste, avisando ruína. Uma vez à gruta. O fazendeiro teria feito sua esposa despir-se. E a ela, totalmente nua, teria aplicado-lhe severa surra de chicote. Deixando suas costas em carne viva. Ainda teria untado, todo seu corpo quase inerte, com sangue de boi para atrair a onça. O que não demorou muito a aparecer trazida pelo cheiro forte. E enquanto o feroz animal atacava sua esposa, devorando-a viva. Ele aproveitava para enterrar no interior da gruta, a botija de ouro. O tesouro que ele tanto confiara a ex-esposa infiel, confiava à guarda agora, a outra fera ainda mais bonita e perigosa. Dali se ausentando. De volta à fazenda, teria dito aos filhos que a mãe deles, enquanto banhava-se no arroio da grota , fora vítima da onça. Teria ido em seu encalço, mas sem lograr êxito. 

A Verdade

Os filhos nunca acreditaram na história do pai. Só se aquietaram quando souberam a verdade, que não demoraria a vir à tona. O rapaz que punha traição ao casamento do fazendeiro rival. Denunciou-lhe pelo assassinato de sua amante. Ela, que vagava sem descanso, teria aparecido-lhe em sonho e contado tudo. Não foi difícil provar, ele ainda tinha consigo as cartas. O fazendeiro Praxedes, sentindo-se aviltado em sua moral de nobre fazendeiro, encarregou-se de matar o amante de sua esposa. Um dos filhos, cheio de ira e revolta, matou o próprio pai. Pondo vingança a mãe, ao tempo que livrava a família tradicional, do vexame de ter o seu patriarca preso. Agora, dois irmãos, iriam em busca da tão sonhada botija, herança familiar. Um dos irmãos Vieira, o assassino paterno, decidiu que cada um seguiria só. Quem conseguisse encontrar primeiro, ficaria com tudo. Decidira assim porque estava em vantagem, ao sepultar o pai, teria encontrado, entre seus documentos, o mapa do local da botija. Adiantando-se teria conseguido chegar ao interior da gruta, e resgatara a arca preciosa. O outro desconfiou de que estaria sendo traído, ficou então a espera de tocaia. Matou o irmão, ao tê-lo sob a mira de sua espingarda à saída da caverna apossando-se do tesouro cobiçado. 

Num recôndito rochoso, a entrada da gruta, ocupou-se em sepultar seu ex-fraterno. Quando colocou a última pedra escondendo o despojo de seu sinistro ato, já era quase noite. E simplesmente, foi ele, tragado pela escuridão daquela noite fatídica, tenebrosa. E ninguém nunca mais ouviu falar que fim levou, o único, que teria ficado com a botija. Quem mora nas proximidades daquela elevação rochosa. Sabe muito bem, que nas noites de lua cheia, ou de tempestades e trovoadas. Lá, à boca da Furna, o farfalhar dos pingos da chuva nas folhas das árvores e o sibilar do vento por entre os rochedos, faz ecoar por todo o vale, uma grotesca gargalhada, seguida do urro de uma onça. 

Fabio Campos

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