Davi "O REI DO DVD"

Arrombaram a casa de Davi do Dvd. Davi era considerado o rei da pirataria, o rei da venda de Cds e Dvds, na cidade de Santana do Ipanema.  Alvoroço na Lagoa do Junco. Davi morava sozinho. Na ocasião da fatídica subtração de sua mercadoria,  estava viajando, quando chegou que soube do ocorrido, explodiu de raiva e revolta.

-Gente invejosa! Malditos!

Por que ele? Se perguntava. Logo ele, um cara batalhador. Só queria viver sua vida. Nunca roubou, nunca matou. Ah! Mas alguém iria pagar por isso! Delirava, aos gritos dizia que sabia quem tinha sido o autor. Não sabia, blefava. Iria atrás, alguém ia pagar caro por isso, Alguém ia morrer. Calculava mentalmente as perdas, talvez mais de mil Dvds e Cds tivessem sidos levados! Muitos meses de trabalho. Lembrava do começo de tudo, como fora duro. Muitas viagens pra cidade pernambucana de Caruaru, economizando centavos. No início almoçava sanduíches de pão com salame que ele mesmo fazia, e levava numa sacola. Logo agora que pensava em comprar uma moto. Tantas jornadas iniciadas madrugada à dentro, num ônibus fretado por sacoleiros. De volta, só no outro dia. Muito sacrifício. O medo das blitzes da fiscalização Estadual ou da Polícia Federal. Se fossem pegos perdiam tudo. O outro medo eram as gangues de ladrões, nas estradas dos dois estados.

Naquele instante ele tinha um revólver taurus calibre 38, empunhado numa das mãos. Saiu pelo cortiço. Bateu toda a Lagoa do Junco de arma em punho. Desespero, gente se fechando dentro casa. Apenas conseguiu colocar medo na vizinhança. Nem vestígio dos filmes e Cds roubados. Foi nas casas dos moleques chamados de “ratos”, notadamente assim apelidados porque eram amigos do alheio. Todos com passagem na delegacia. No cárcere ganhavam apelidos próprios. Na casa de “Gato a jato”, fez-lhe perguntas, deu-lhe puxões de orelha na frente dos seus pais e dos irmãos menores. “Gato a jato” chorou disse não ter sido ele. E não fora mesmo. Eles respeitavam Davi, tinham verdadeira admiração pelo “Rei do Dvd”. Foi na casa de “Pachola” não estava em casa. Deixou o recado que assim que ele chegasse o procurasse. Na casa de “Pecó”, a mãe disse que ele estava preso, havia roubado uma bicicleta de um menino, e um telefone celular de uma estudante na entrada da Escola Laura Chagas.  Pensou em ir na delegacia registrar um B.O.  Mas como ir dar parte na polícia! Se o produto roubado era considerado pela polícia um contrabando. Nem nota fiscal tinha de sua mercadoria. Pra polícia seu negócio era ilícito, uma contravenção penal. Mais revolta. Ninguém poderia lhe ajudar, ninguém. Era honesto seu negócio. Precisava se acalmar pra pensar melhor. Voltou pra casa. Na boca de uma só vez, entornou metade de uma latinha de Pitú. Engasgou-se. Chorou. Era choro de revolta. Naquele momento só pensava coisa ruim.   
            
Seu negócio agora era honesto. Rememorava o início. De quando havia começado à três anos antes. Pra levantar uma grana legal, suficiente pra primeira viagem a Caruaru, teve que vender pedras de crack e cigarro de maconha. O crack era adquirido por gente pobre da periferia, a maioria nem era gente criminosa. Consumiam pra ficar em estado de sonolência o dia inteiro, pra não sentir fome. Da maconha tinha clientes seletos, confiáveis, gente fina. Filhinhos de papai. Pais que nem de longe sonhavam que seus filhos e filhas, estudantes das melhores escolas de Santana, fumavam diamba, quando iam pras festas, pras vaquejadas e nos vários shows de rua nos municípios das proximidades. Bastava ter um show de Banda de Forró por perto, e seu telefone celular não parava de tocar. Eram as encomendas, vendas sem riscos. Tudo limpo, garantido.

Mas assim que adquiriu estabilidade no ramo de discos e cópias de mídias gravadas, praticamente parou com a venda de drogas. Sabia o quanto era perigoso. Davi estava revoltado, não teria sossego enquanto não descobrisse quem havia praticado aquele roubo contra ele. Queria de volta o que era seu. Mercadoria conseguida com muito sacrifício. Se não aparecesse, alguém ia pagar por isso!  Na porta da casa de Seu Miranda, uma turma se aglomerava, sempre era assim toda tarde. Reuniam-se pra jogar dominó. Jogavam apostando palitos de fósforo, balas doce,ou dinheiro.                                                                                                                                                       
No dia seguinte ao arrombamento da sua casa, Davi foi ter com Levi, um grande amigo seu. Precisava de sua ajuda pra recuperar a mercadoria roubada, ou pelo menos o que restava dela. Na pior das hipóteses, ao menos descobrir o autor do roubo. Por ironia do destino Levi era um cobrador de impostos. Alto, magro, de barba rala. Olhar astuto. Uns óculos de hastes finas sempre no rosto. Cabelos rebeldes encaracolados. Ouviu atentamente a história do amigo, disse que ia ver o que podia fazer. Levi sabia a quem devia procurar para desvendar o mistério. Ia procurar Glauco, policial militar reformado. Ele conhecia todos os vagabundos da cidade, todas as bocas de fumo, todos os “cheira-colas”, todas as prostitutas, onde ficavam todos os prostíbulos. Sobre as gangues, sabia quem eram os chefes, quem estava no comando. Quem vivia do tráfico. Quem comprava e quem vendia drogas, contrabandos, pirataria. Sabia um por um. Sabia quem eram os comerciantes que compravam roubo de “ratos”. E os chamados “cachorros grandes” que roubavam caminhões e cargas nas estradas. Sabia quem era especialista só em roubo de moto ou quem fazia desmanche de carros. Enfim era um arquivo vivo do submundo do crime em Santana do Ipanema.

Glauco sabia inclusive, quem vivia da pistolagem, de crime por encomenda. Quem eram os políticos que tinha rabo preso com o crime. Coisa pesada. Não gostava dessa fama de olheiro da bandidagem. Não gostava que soubessem que ele sabia. Deter determinados conhecimentos, saber muito coisa perigosa é perigoso. Um perigo pra quem sabe, claro. Não gostava quando lhe procuravam em busca desses tipos de serviço ou de informação. Não era bom. Tornava-se alvo fácil.  Preferia ser respeitado e tido como um bem sucedido empresário no ramo da terceirização de serviços gerais, uma modesta empresa de segurança. Mas prometeu a Levi que ia realizar uma investigação ainda naquele mesmo dia.  Essas coisas, não dá pra deixar o tempo passar. Sob o risco de perder os vestígios, as pistas. E aí não se descobre mais nunca o destino do material roubado. Tinha experiência nisso. Eram muitos anos naquela lida. Não ia ganhar nada com isso, era um favor pro amigo.

Depois de procurado por Levi, e seguindo sua intuição Glauco visitou naquela tarde o cabaré de Verinha na Rua das Pedrinhas. Lá ficou sabendo que um “rato” com o apelido de “Póiva” andava vendendo Cds e Dvds. Todos ali conheciam e sabiam que até bem pouco tempo “Póiva” nada vendia, perambulava pelas ruas, pedia esmolas aos passantes, e se achasse fácil, fosse o que fosse, furtava.  Glauco ligeiro localizou O “rato”. Encontrou-o vendendo discos no campinho ao lado do Ginásio de Esporte Cônego Luiz Cirilo. Nem precisou dar-lhe uns apertos, ele contou ao ex-militar que um rapaz da Lagoa do Junco procurou-o e mais outros dois amigos e repassou aquela mercadoria pra os três venderem nas ruas. Ganhariam comissão. Deveriam prestar conta uma vez por semana. Se vendessem tudo pegavam mais.

-E como é o nome desse rapaz?

Glauco queria saber. “Póiva” não sabia o nome. Ia saindo com o moleque pra dar continuidade às investigações quando o pivete cutucando-lhe o braço, apontando lhe mostrou:

- Ói ele. É aquele ali!

Glauco só teve tempo de ver um rapaz que já percebera o ocorrido e saía em desabalada carreira. O soldado reformado foi em seu encalço. Instintivamente sacou sua arma. Ainda por força do antigo hábito, deu voz de prisão ao fugitivo que ignorou a ordem. Deu um tiro pra cima. Achando que o disparo era em sua direção, o fujão esquivou-se se desequilibrando caiu. Aí foi fácil alcançá-lo. Pego e pressionado identificou-se, era Mateus vizinho e amigo de Davi.  “O Rei” conseguiu recuperar boa parte da mercadoria roubada. Glauco agora não se continha de tanto rir, porque descobrira o porquê do apelido de “Póiva”. Era que as flatulências do moleque fediam a pólvora.

Fabio Campos 

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