Ruínas na Avenida Coronel Lucena


Era uma dessas noites do mês de abril, em que costuma ocorrer pancadas de chuvas prenunciando o inverno. Foi numa dessas noites em que tudo terminou. Pois é justamente pelo fim que iniciaremos nossa história. O rio Ipanema tomou bastante água, também o riacho Camoxinga. Santana do Ipanema no dia seguinte a esse acontecimento, amanheceu cheirando a peixe, argila e lama. E com três casas a menos. Uma delas veio à baixo, em plena Avenida Coronel Lucena Maranhão, quase defronte a Prefeitura Municipal. As outras duas, uma era conhecida como, o velho casarão do padre Bulhões. E ficava justamente na cabeça da ponte que leva, até hoje, o nome do histórico pároco. A outra era erguida na barranca do rio que nomeia a cidade, ficava próxima ao local conhecido dos citadinos como prainha.


Nenhuma das três moradias estava mais ocupada no momento do sinistro. Nesta última morava um preto velho que atendia pelo apelido de Rabo de Galo, alcunha adquirida pelo fato de apreciar a misturada de cachaça famosa, mas seu verdadeiro nome era Alípio. O velho Alípio ali passara a residir num ano qualquer do primeiro quartel do século passado. Por aqui aportou advindo da região de Viçosa. Tive a oportunidade de conhecê-lo, muito doente, e cego, ocupando um dos leitos do Abrigo São Vicente de Paula. Quase moribundo, contou-me pedaços da história que ora aqui narramos. Na verdade o velho Alípio é apenas um dos antagonistas da trama.

Contava-me ele, que quando rapaz, era tropeiro. Vivia de trazer mercadorias, da zona da mata alagoana, pro sertão. Dizia ele que eram muitos os causos que tinha pra contar desse tempo, mas o que muito lhe causaria medo, foi ter que enfrentar certa vez, um bando de saqueadores próximo a Palmeira dos Índios. Disse-nos ele, foi luta sangrenta. Uma frase ele repetia e marcou seu relato:

-Eles vieram em nosso sucaro, meu rapaz!

Eu não sabia o que significava “sucaro”. Ele procurou se explicar e deu-me a entender que era o mesmo que; vir no encalço; perseguir. Todos eles seriam mortos pela caravana de tropeiros. Mas não é esse o tema da nossa história. Como tampouco tem haver com a queda das três casas no dia da tempestade. Então retomemos ao fio da meada.

Naquela casa da avenida Coronel Lucena, no passado aconteceu um crime, que marcaria pra sempre a história política de Santana do Ipanema. Ali morava um cidadão vindo da região de Olivença mas que se considerava santanense de coração e por adoção. Chamava-se Zé Amorim. Pela sua cordialidade e educação esmerada tornou-se um líder político. E certa noite, quando preparava-se para repousar, após a ceia noturna, alguém bateu-lhe à porta com um “-Ô de casa?”. Atendeu o chamamento, abrindo a porta pra o breu com um “-Ô de fora!” E das entranhas do ventre negro da noite, surgiu a sua frente o cano de um revólver que disparou contra si, três tiros à queima-roupa.

No dia seguinte Santana estava em polvorosa. O delegado faria diversas diligências, todas infrutíferas no sentido de apreender o criminoso. O jornal de maior circulação no estado à época a Gazeta de Alagoas, estampou o fato como manchete. O jornalista e advogado Tobias Granja publicaria matéria de página inteira sobre o caso, e apontava o prefeito de Santana do Ipanema naquela gestão, como autor intelectual, ou seja, como mandante do ato hediondo. No caso o prefeito Adeildo Nepomuceno. O prefeito de Santana seria indiciado e prestaria muitos depoimentos. Nada foi provado que Adeildo Nepomuceno tivesse sido o mandante daquele homicídio. O prefeito voltou a administrar e teve seu nome resguardado de tal crime.

Mas voltemos àquele nosso questionamento: E o que essa história toda, tem a haver com a queda das três casas? Pra tentarmos elucidar esse enigma precisamos voltar ao encontro que tivemos com o velho Alípio lá no Abrigo São Vicente. O preto velho contando as histórias de sua vida, misturava coisa do tempo de rapaz, com fatos de quando era jagunço de velhos coronéis. E acabaria confessando praticamente sem se aperceber, que fora ele o autor material daquele crime que tirou a vida de Zé Amorim. Diría-nos também que naquela noite antes de ir praticar o ato maligno, entrou na matriz de Senhora Santa Ana, pra pedir perdão pelo ato perverso que iria cometer. E se confessaria com o padre Bulhões.

Portanto caro leitor, chegamos ao fim do nosso relato. Ratificando o fato da ruína das três casas, ligadas por um elo maldito. A casa do velho Alípio, a casa do Padre, e a casa que um dia morou Zé Amorim, vieram à baixo num noite tenebrosa em que o rio Ipanema resolveu uni-las para sempre e sepultar com um ato fatídico, um outro ocorrido no passado mas que atravessa os portais do inimaginável.


Fabio Campos

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