No tempo em que os homens de hoje em dia, nem eram meninos. Na verdade nem eram nascidos ainda. Os natais eram celebrados, como os primeiros cristãos celebravam. Os dias que antecediam o nascimento de Cristo eram vividos com os mesmos resguardos amplamente depositados na tão venerada semana santa. Chamado Epifania do Senhor, o natal, tal qual a quaresma, compreendia inicialmente uma penitência, que ia, desde o final de novembro, até os dias dos santos reis, na primeira semana de janeiro.
Et in terra pax hominibus bonae voluntatis”
“Glória a Deus nas Alturas
E paz na terra aos homens de boa vontade.”
Os dias iam muito secos, e as noites abafadas. O sertão entendia e já aguardava a aridez dos últimos meses do ano, que se estendia por sobre as almas dos penitentes. Rumas de peregrinos. Em procissão ia, varando as veredas quentes. Rezando reza cantada, antífona ecoava penosamente no oco da caatinga. Feito serpente de fogo rastejando no leito da estrada alumiavam a noite escura com as lanternas.
Ao chegarem à porta da igreja, o padre fazia a pregação do sermão. E diria que às aflições sofridas pelos sertanejos, era pra o povo não esquecer o sofrimento de Cristo, que vindo a este mundo, através da virgem Maria, teve que enfrentar o deserto. Ainda menino de colo, fugindo do rei Herodes.
Ao final daquela noite, um menino. Um galego sarará, magricela, chamado Manoel Eleutério que morava na barranca do riacho João Gomes, antes da Queimada do Rio, quis falar com o padre. Com tristeza nos olhos colocou-lhe: -Por que o rei Herodes tinha tanto ódio do menino Jesus? Era só um bebê? “- Herodes vivia sob constante temor de perder o trono, pois tinha se tornado rei através de muitas guerras sangrentas, massacres, assaltos e assassinatos. A Judéia antes governada pela dinastia dos hasmoneias por ele foram destronados e mortos. Os profetas do Oriente, que chamamos de reis Magos, anunciaram a vinda do Messias, o rei que o Deus dos Judeus aguardava pra seu povo. Essa notícia incomodou Herodes, que inicialmente tentou conseguir dos próprios magos, a informação aonde se encontrava o menino. Em sonho os reis do Oriente foram avisados que não voltassem até Herodes. Enfurecido o rei malvado procurou um jeito pra assassinar o menino Jesus. Decretou ordem aos seus soldados para que fossem até Belém, e toda criança até dois anos de idade, naquela data, devia morrer. A igreja honrou os pequeninos assassinados como mártires, porque morreram no lugar de Cristo, e a morte dos inocentes ocorreu unicamente pelo ódio do ímpio, a Jesus.”
Para o pastoril dançar
Viemos para adorar
Jesus nasceu para nos salvar”
A proximidade do natal, pouco animava os meninos do Grupo Escolar Padre Francisco Correia. Aguardavam com mais ênfase as tão sonhadas férias escolares. Traduzida em prolongados banhos no rio Ipanema. Seriam dias de puro desfrute do “rei da caatinga”. Onde podiam explorar a flora em toda sua pujança. E a fauna, toda em riqueza, se havia pra eles. Jogo de bola no areal da barragem, do Poço do juá, nadar no perigoso Poço dos homens. O desafio das corredeiras. Pescar no riacho do bode. Vadiar na praça, jogar ximbra, pião, ouro buscar, até se cansar. Escalariam montanhas e debaixo de suas chinelas o pó do barro das cercanias incrustaria, de tantas idas e vindas pelo sertão.
“Boa noite meus caros senhores
E boa noite senhoras também
Somos pastoras, pastorinhas belas
Que alegremente vamos a Belém”
Encarcerados nas velhas salas de aula, de paredes rudes, desbotada de cor. Sentados em dupla, nas sisudas carteiras escolares, os meninos aprendiam. Além de gramática, álgebra, retórica, noções de Latim, história e geografia havia as aulas de Catecismo, ministradas pela irmã Letícia. Devidamente trajada no seu hábito negro, aquela ovelha do rebanho divino, queria por queria inculcar nas pobres mentes pueris dos meninos do rio, tudo o que havia na bíblia sagrada. E dizia de como a gente, ao falar do presépio, lembrava só dos animais, mas era bom recordar de outros seres vivos, tão belas criaturas de Deus, que também estavam lá. As flores trazidas pelas pastoras: crisântemos. Orquídeas, rosas. O capim verdinho na manjedoura, feita do tronco de um álamo. O algodão branquinho, da manta que cobriu o menino, perfumada de alabastro. A cerca de bambu do Grajaú, a palha de coqueiro que cobria a estrebaria.
“Estrela do norte cruzeiro sagrado
Vamos dar um viva ao cordão encarnado
Estrela do norte cruzeiro do sul
Vamos dar um viva ao cordão azul”
Lindosvaldo era menino traquino, outro dia amarrou uma lata de óleo vazia, no rabo do gato, que dona Nazilha a merendeira da escola, criava na cantina. Coitado, quase morre. Lindosvaldo era filho de Mestre Satiro, fabricador e vendedor de corda de caruá. Seu Satiro, junto com os filhos, o dia inteiro girando as manivelas, fincadas na subida do morro rumo ao Alto dos Negros, a antiga subida da Cajarana. A irmã Letícia falava da Lapinha que também se chamava presépio. “-No dia da natividade do Senhor, os pastores foram adorar ao menino Jesus. Também os animais que estavam na estrebaria adoraram: O boi, a vaca, o galo, a galinha, o burro.” Lindosvaldo queria saber: -Irmã Letícia! Também o cachorro estava lá? “–Não Lindosvaldo, o cachorro não estava.”
“Borboleta pequenina saia fora do rosal
Já nasceu Jesus menino hoje é noite de Natal”
Conta a lenda, que o cachorro era o melhor amigo do homem. Isso vem desde o tempo da Criação. No paraíso, Adão e Eva foram por Deus, impedidos de comer do fruto proibido. Mas a serpente seduziu Eva, que comeu, e ofereceu a Adão. O companheiro da mulher foi consultar seu melhor amigo, o cão. Que o teria levado ao erro da desobediência. Ao ser expulso do jardim do Éden, Adão procurou o ex-fiel amigo, aplicou-lhe tremenda surra, tanto que o cachorro saiu danado chamando pelo irmão: Caim! Desde então o cão foi proibido de adorar o menino Jesus.
O dia amanhece queremos dormir”
Fabio Campos
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