Dá-me de Beber!



Igreja matriz de Senhora Santana. Dali a alguns dias viveria a páscoa. Um pequeno andaime no interior indicava algum tipo de reforma. Diversas latas de tintas, esmaltes, pincéis num copo. Um pintor sentado sobre um tablado. De costas para a nave, concentrado no seu trabalho, pintava. Um céu intenso de luz, de um sol cádmio. Palmeiras, damascos, pinheirais diziam até onde iam os horizontes. Um lajedo compunha o relevo. Ciprestes afloravam do chão, somente aonde permitiam entre as pedras do solo. Os olhos do observador requisitados pelas duas figuras humana da cena, Jesus ao lado de uma mulher. Semblante sereno, sentado numa pedra. O filho de Deus tinha a face voltada para a madona, que se encontrava sentada no chão, apoiada numa cânfora. O epicentro da paisagem, um poço que havia ali.


Jerusalém era aqui. Em Santana do Ipanema, tudo se parecia com a terra santa. Nas suas ruas estreitas, no sobe e desce dos becos escuros. Na tendas dos mercadores. Nos trajes coloridos sob o sol, no clima semi-árido. Na escassez de chuva, na vegetação rústica, adaptada a esta temperatura. Nos chamados dias grandes, os sertanejos seguiam em romaria, pelos sertões. Em penitência por expiação dos pecados, peregrinavam a lugares altos, aonde houvesse um cruzeiro, rezando a ladainha, o santo ofício, a via sacra. A cada estação, as súplicas por misericórdia. Pedidos de perdão a Deus pelas atrocidades da humanidade inteira. Deles que carregam ex-votos, e deixavam-nos na primeira capela que entrassem. Haveria quem carregasse por todo o percurso uma pesada pedra na cabeça, isso porque um dia uma graça teria sido alcançada, ou um pedido havia sido feito e esperava-se o benefício divino. Mães que vestiam seus filhos pequenos com trajes de frade franciscano. Imagens do padre Cícero Romão Batista, e do Frei Damião de Bozzano conduzidas sob sobrinhas coloridas. Um homem que padecera de um mal por muito tempo. Uma vez curado, cumpria sua promessa, uma cruz de tamanho e peso da de Cristo carregaria até o Juazeiro do Cariri. Fitinhas coloridas presas ao madeiro, iam sendo colocadas, por aqueles que almejavam alcançar uma graça, por onde o cortejo ia passando. 

Verão bravo e ia o vento assobiando na caatinga, imitando o canto da fogo-apagô. Lá no alto o Cruzeiro, remetendo-nos ao Gólgota, lugar da caveira, ali ocorreria à encenação do calvário. Os vendilhões na porta da igreja e do mercado comercializavam os produtos mais procurados na quaresma. As iguarias para o feitio da ceia de páscoa, expostos no leito da rua. Coco seco pro preparo do peixe. Os compradores experientes com uma moeda batiam na casca dura, no tilintar do metal, descobriam se o produto estaria saudável. Rosários de coco ouriciri. A umbuzada feita do umbu, a oliveira do sertão. O olfato ofendido, e a presença de muitos cachorros vira-latas acusavam a proximidade das barracas de peixes. A balbúrdia, a barganha, os ânimos exaltados. O facão, e a peixeira toque-toque aparando barbatanas, extirpando vísceras. Pilhas de jacas e de melancias, frutas de polpas fartas, pra depois do largo almoço da semana santa. O homem do campo sabedor da necessidade do jejum abastecia-se previamente de frutos e iguarias típicos da estação. Nos chamados dias grandes, vivenciava-se os preceitos do Livro de Levítico. Os que não observavam os segmentos religiosos, amplamente arraigados, era taxado de Judas. A mulher deveria evitar as relações sexuais, antes, durante, e depois da menstruação. O homem que deitasse com meretriz, ou que houvesse contraído gonorreia era considerado impuro, e jamais deveriam aproximar-se do altar, até que estivesse limpo. As crianças de até um ano deveriam ser levadas pra serem circuncidadas. As meninas em idade púbere, mantidas dentro de casa. Não podiam banhar os cabelos, nem aparar os pêlos. Ou ainda, usar cosméticos, nos lábios e unhas, ou ornar a cabeça com diademas; nem usar colares e brincos nas orelhas. Afazeres domésticos, só depois do por do sol, a portas fechadas. A poeira do piso deveria ser varrida para detrás da porta de entrada, nunca jogada fora. Os animais não exerceriam serviço algum no campo. O leite ordenhado da vacaria deveria ser distribuído entre os pobres da vizinhança. O cavalo, considerado um animal impuro, podia ser usado como transporte, apenas em caso de necessidade.


Santana do Ipanema, assim como a Samaria nasceu de doze tribos, que se desenvolveram a partir de três necessidades básicas: os mananciais de água, o cultivo da terra e a atividade pastoril. Seis delas, Pão de Açúcar, Olho d’Água das Flores, Poço das Trincheiras, Riacho Grande, Dois Riachos e Santana do Ipanema, se iniciariam às margens de cursos d’água. São José da Tapera, Olivença e Ouro Branco, a partir do cultivo de feijão, milho e algodão. Carneiros, Maravilha e Palestina, da criação de gado bovino, muares e caprinos. Apesar de unificadas, as 12 acabariam um dia tendo que se separar. Três dessas tribos, possuem evidências de serem herança da tribo de Judá(a.C.): A cidade surgida as margens do rio Ipanema, sobre a égide de Senhora Santa Ana, a avó de Jesus Cristo; a cidade de Tapera, teria origem no pai terreno do Filho de Deus, São José. E Dois Riachos, ainda hoje sob o auspício da Mãe Santíssima, Nossa Senhora da Saúde. A presença de Jesus, por estas paragens, estaria evidenciada nesta narrativa.

“Assim, chegou a uma cidade de Samaria, chamada Sicar, perto das terras que Jacó dera a seu filho José. Havia ali o poço de Jacó. Jesus, cansado da viagem, sentou-se à beira do poço. Isto se deu por volta do meio-dia. Nisso veio uma mulher samaritana tirar água. Disse-lhe Jesus: "Dê-me um pouco de água". (Os seus discípulos tinham ido à cidade comprar comida.) A mulher samaritana lhe perguntou: "Como o senhor, sendo judeu, pede a mim, uma samaritana, água para beber?" (Pois os judeus não se dão bem com os samaritanos.) Jesus lhe respondeu: "Se você conhecesse o dom de Deus e quem está pedindo água, você lhe teria pedido e dele receberia água viva". Disse a mulher: "O senhor não tem com que tirar água, e o poço é fundo. Onde pode conseguir essa água viva? Acaso o senhor é maior do que o nosso pai Jacó, que nos deu o poço, do qual ele mesmo bebeu, bem como seus filhos e seu gado?" Jesus respondeu: "Quem beber desta água terá sede outra vez, mas quem beber da água que eu lhe der nunca mais terá sede. Ao contrário a água que eu lhe der se tornará nele uma fonte de água a jorrar para a vida eterna". A mulher lhe disse: "Senhor, dê-me dessa água, para que eu não tenha mais sede, nem precise voltar aqui para tirar água". Jo 4, 5-15.”







































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