História de tesouro tem suas
vantagens. A gente sempre vai quer saber, de onde vem, e no que vai dar. Pra
isso, tivemos que ir a Porto da Rua, uma vila praieira, fundada na época do
descobrimento. O vilarejo como que parado no tempo, tinha sua vida e história
atrelada ao município de São Miguel dos Milagres, a quem sempre pertenceu. Acintosas
construções seculares, sobre as placas sedimentares erguidas, dividiam espaço
com rudimentares cabanas de pescadores. Tudo, tudo, vinha-nos naquele instante,
irremediavelmente impregnado do cheiro de mar. E pra aonde quer que fosse a
vista, os olhos haveriam de esbarrar no coqueiral. Com seus canelões encimados
de buquês de palhas verdejantes. Sacudindo, pra lá e pra cá, maresia. Enquanto acenava
pras espumas das ondas, que antes de morrer, beijavam com sofreguidão a areia
da praia, do magnífico mar Atlântico.
São duas as versões de nossa
história sobre o tesouro sumido. A primeira chegou-nos através da saudosa
professora Durvalina Cunha Lima. Filha de família tradicional da cidade de
Porto de Pedras, morava numa das casas mais bela da Rua Coronel Avelino Cunha.
Nome de seu avô, um dos fundadores daquele lugar. A fachada era revestida de
azulejos e cerâmicas em estilo lusitano. Um enorme portão de ferro pintado de
branco acessava um pomar, com toda sorte de arbustiva. Cujos galhos mais
audaciosos, debruçavam-se por cima do muro. De inverno a verão, a calçada
ficava tinta de vermelho rubro, das pétalas de Acácias. E as carambolas maduras
aguçavam os olfatos e paladares dos saguis, e dos meninos quando saía da Escola
Municipal Professora Leonila Cunha Lima, logo ali.
Dona Durvalina, possibilitou dois
locais para nossa conversa, no alpendre que ficava virado pro pomar, ou numa
ante-sala. Donde dava pra ver, esplendor de decoração, diversos objetos
antigos: armas, brasões de família, quadros, etc. no interior da casa. Optamos
por este de cá. Naquela tarde prazerosa,
ensolarada. Regada a chá verde e sequilhos fresquinhos, ouvimos atentamente a
professora contar que, no ano de 1633, a Vila de Águas Belas, como então era
chamada Porto de Pedras, era ocupada pelos portugueses. De onde provinha sua
família, o que era evidente nas suas feições, na tez alvíssima, no sorriso
largo, no jeito esmerado de falar, na entonação da voz. Tudo nela evidenciava
sua origem luso-brasileira. Dizia que, no mês de maio daquele ano, a vila foi
invadida pelos holandeses. A artilharia da esquadra, composta de dez naus, fez
fogo sobre o povoado e conseguiu destruir diversas embarcações portuguesas
ancoradas a lagamar. Os portugueses mantinham na foz do rio, quatro navios de
defesa. Na desembocadura do rio Manguaba que acessava ao forte de Santo Antonio
de Quatro Rios, a doze quilômetros dali. Hoje em dia chamada de cidade de Porto
Calvo.
A população da vila tentou
resistir com barricadas, sacos de areia na entrada do cais. Respondendo ao
ataque com tiros de bacamartes bombardeio de canhões de médio porte. Porem o
poder de fogo dos invasores era maior. Ao perceber que estavam perdidos, os moradores
da vila atearam fogo nas próprias casas, e fugiram mata adentro. Um desses moradores,
o bisavô de dona Durvalina, o senhor Joaquim Ferraz de Lima, era dono do
engenho de cana, Mata Redonda. Conseguiu fugir com a família, mulher e três
filhos pequenos. Com a ajuda de dois escravos, três mulas, e um cavalo, levou o
que pode: arcas cheias de dobrões de ouro, muito dinheiro, e diamantes. Ao
chegar à base de um rochedo banhado por um Arroio chamado de Patacho, se
abrigaram. Afastando-se donde tinham se arranchado, Senhor Joaquim foi até a um
local onde só ele ficou sabendo, enterrou os baús com os diamantes e os dobrões
de ouro. De volta ao local onde deixou a família e os escravos, levantou
acampamento, e partiram dali pro engenho.
Muitos anos depois, Senhor Joaquim retornaria para resgatar seu valioso
despojo. Acontece que já muito velho, e desorientado, o usineiro não conseguiu
mais localizar os recursos enterrados. Vindo a falecer sem conseguir recuperar
o tesouro. A família teria feito muitas expedições e escavações, porém sem
nenhum sucesso.
A outra versão, também foi
contada por outra professora, Dona Belmira Conceição Lins. Na verdade esta, foi
a primeira história que ouvi sobre o tesouro perdido. Recordo de quando cheguei
a Porto de Pedras para lecionar a alunos do ensino fundamental, no Grupo Escolar
Ciridião Durval. À época, a escola era
um prédio velho, carecido urgente duma reforma.
Cheguei de ônibus vindo de Maceió. Por volta das três das tarde, desci
bem em frente ao educandário. Trajado em calça jeans, camisa de meia, dirigi-me
a Diretoria. Um crucifixo pendurado no pescoço, mochila às costas, e alpercatas
de franciscano nos pés. Isso faria com que comentassem que um novo padre havia
chegado à cidade. Dona Belmira era a solicitude em pessoa. Uma velha senhora
negra. Pra mim, era como se materializasse ali na minha frente, uma personagem
de um filme americano do Alabama ou Mississipi, dos anos 60. Depois de alguns
meses já éramos tão amigos, que sempre que eu tinha um tempo disponível, ia até
sua modesta casa na Avenida da Praia, em frente ao campinho de futebol. Sentados
à porta olhando pro mar, conversávamos sobre tudo na vida. Dona Belmira tinha
uma pequena biblioteca. Donde tive a oportunidade de ler toda a obra de
Graciliano Ramos, pegando emprestado de seu acervo. Um dia, Dona Belmira deu-me
de presente uma bíblia.
Era toda grande, de capa dura, de
letras grandes. Com um detalhe, não era nova. Confidenciou-me que havia
adquirido numa feira de livros, promovida pela escola. Não por acaso, encontrei
no início do livro de Eclesiastes, um quadrado de folha de caderno. No pedaço
de papel amarelado, de tão velho, tinha umas anotações escrita a bico de pena com
tinta nanquim: “Cap. 01” vs, 04’-08’; Cap. 05” vs, 09’ – 14’ Joaquim Leão de
Vasconcelos – 04 de maio de 1634. Engenho de Dentro.”
Dona Belmira relatou sua versão
do tesouro escondido na floresta, nunca encontrado. Os fatos, apenas pareciam.
Os usineiros homônimos possibilitava a confusão. No entanto os acontecimentos
eram distintos, bem como os tesouros extraviados. Senhor Joaquim Leão, fugiu
com a família, do vilarejo de Santo Antonio de Quatro Rios, que ficava ao lado
do forte de igual nome. E foi se instalar com a família, nas imediações de
Porto da Rua, fundou a usina do Engenho de Dentro. Com medo de ser pego pelos
batavos, enterrou seu tesouro numa catacumba do cemitério da Vila de Nossa
Senhora Mãe do Povo. Voltando muitos anos depois pra desenterrar. Porem tantos
túmulos novos haviam, e os que já existiam, tinham passado por tantas reformas,
que se tornou praticamente impossível encontrar o local exato. Dali por diante era comum, encontrar o velho Joaquim, altas horas da noite, andando a cavalo
totalmente bêbado, despido. Indo pela estrada que levava ao cemitério da vila
de Porto da Rua. Pra finalmente encontrarem seu corpo nu, jazido em decúbito
dorsal sobre o túmulo do vigário Belo, no alto do Cruzeiro. Há quem diga que tinha
visões com o padre que prometia lhe indicar onde o tesouro se encontrava, caso
se arrependesse dos pecados. Segundo Dona Belmira aquela bíblia pertencera ao
senhor Joaquim Leão.
E só por acaso, imaginei que
aqueles capítulos e versículos do livro do Eclesiastes, poderiam ser algum tipo
de coordenadas, que pudesse indicar onde estaria o tesouro perdido. Tantas
covas contando do primeiro quadrante, na fileira número quatro, a oitava
catacumba. Ou talvez dissesse apenas o que está lá no livro sagrado: “Vaidade
das vaidades! Tudo é vaidade!” “A vista não se farta de ver, o ouvido não se
sacia de ouvir.” “Quem ama o dinheiro nunca se fartará. Quem ama a riqueza não
tira dela proveito.” Ecl. 1-4; 5-9.
Fabio Campos
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