João Baptista, e André Soares constituíam-se
amigos. João Baptista morava na Quinta da Vinha. Província de Vieira do Minho,
proximidades da cidade de Braga, norte de Portugal. O outro, era brasileiro,
nascera no nordeste brasileiro, porem desde muito jovem morava no Rio de
Janeiro. O que os unira, o fato de serem ambos naturalistas. Em plena selva
amazônica, num congresso sobre fauna e flora tropical, conheceram-se.
Milhares de quilômetros de céu
marinho, debaixo de águas oceânicas separavam-nos. Um pequeno obstáculo
geográfico, talvez fosse só um detalhe. Não se constituindo jamais empecilho
pro amigos. Mantinham portanto constante correspondência. E a cada dia, lá ia o
funcionário do correio, vermelho e verde na farda, uma estrada, uma casa de
pedras. O frio madrugador se dissipando sob o sol. E os galináceos em sua
variada linhagem jamais indiferentes os intempérie da friagem, cumpriam sua
missão de acordar o dia. De ciscar o terreiro de além açores, de alçarem vôos
até pelo menos dois infinitos. Em todo seu esplendor de luz e calor, de dar
vida ao mediterrâneo.
Enquanto ia o sol predestinado, espreguiçando-se sobre a
Europa. De tanto se esticar em luminosidade, acabava vindo esbarrar na América.
Só quem via e sentia, sabia o quão era bom, ter a posse de tudo aquilo. De acordar
todos os dias, e ter diante de sua existência, montanhas deslumbrantes,
recoberta pela plumagem da floresta arbustiva. E o céu de Deus vinha vindo, e
descia sobre o céu dos homens, num constante indo e vindo. O rio Ave, a ponte.
A ponto de não mais distinguir-se o que era cenário, ou se cenáculo. Enquanto bovinos lá longe, biscuits estáticos,
a gramearem grama verdinha, verdejante somente muito longe. E aquele, tinha o
propósito de vir ao Brasil num monomotor, do tempo da segunda guerra mundial.
“E o Senhor me perguntou: “O que
você está vendo, Amós?” “Um prumo”, respondi. Então disse o Senhor: “Veja!
Estou pondo um prumo no meio de Israel, o meu povo; não vou poupá-lo mais. Amós
7-8”
João Baptista, do vale do Cávado,
de origem camponesa. Estudou na Universidade Católica Portuguesa na “cidade da
juventude”. O Centro de Cooperação Cultural possuía diversos albergues, o que
tinha de velha, vibrava na população universitária tão jovem. Assim era Braga. E
no mês de maio tinha a tradicional festa do “Enterro da Gata” por três dias os
jovens vivenciavam competições de rua, ralis nas cercanias da cidade, corridas
de bicicletas, nas estradas rupestres, pelas ruas, o ponto máximo era a escolha
da rainha da festa, a premiação dos competidores campeões. Desde o tempo de
ensino médio interessou-se pelo trabalho de Lineu e Darwin, formou-se biólogo.
Pretendia um dia fazer o caminho do Beagle, só que uma viagem aérea. Do Brasil
iria a Patagônia, a ilha de Fernando de Noronha e Gálapos. Amava o campo e o
cultivo agrícola a criação pastoril. Seus avós e pais contavam histórias de
como haviam chegado à região, de serem ancestrais provenientes do povo Celta,
duma linhagem chamada “Castros” que travaram lutas contra os “Bácaros” do qual
originaria o nome da cidade. Num tempo ainda mais antigo que estavam vivendo,quando
da fundação do vilarejo, os romanos teriam invadido a província e forçado a
população a descer o vale. A sua descendência vinha dali. Daqueles que foram
expulsos pros campos.
“Acaso correm os cavalos sobre
rochedos? Poderá alguém ará-los com bois? Mas vocês transformaram o direito em
veneno, e o fruto da justiça em amargura. Amós 6-12”
Bom mesmo era quando chegava o
mês de junho, quando o povo comemorava na frente das igrejas Santa Sé de São Pedro,
em Bom Jesus, Sameiro e falperra, santa Maria Madalena e santa Marta das
Cortiças, reunidos se confraternizavam. Não havia entre eles a tradição das
fogueiras. Armavam-se imensas mesas com muita comida e bebida, vinhos
produzidos nas redondezas, todos tinha adegas em casa e pães enormes. Queijos
de fabrico artesanal, e vinho muito vinho. Jovens casais executavam a “Dança do
Rei Davi”, embora sendo bem mais modesta, lembrava as danças na corte imperial
do século iluminista. As lavradeiras faziam em casa velas de parafinas e cera.
Ficariam conhecidas como velas votivas de Braga, as camponesas levavam pra
missa para serem consagradas, após a celebração eucarística, benzidas. De tanto
viver este ritual, virou tradição, os turistas tomando posse da lenda,
passariam a comprar pra levarem de lembrança. Maria Ondina de Braga tinha
devoção com a alma da irmã Maria Estrela Divina, que dera sua vida na guerra
dos mouros e visigodos na tomada da cidade, seu corpo martirizado, fora
sepultado na Santa Sé. Quando chegava o mês de junho era costume depositar uma
coroa de flores, amarrar diversas fitas coloridas no gradil da igreja e acender
pelo menos três velas, para venerar o antepassado. Em junho era verão, e as
aves estavam na fase de reprodução, em abril e maio do acasalamento e logo se
davam as ninhadas, como nasciam. Escrevedeira de garganta preta multiplicavam
de sons e cores os céus lusitanos, as árvores, o outono, as eiras e beiras, as
entrâncias e reentrâncias das chaminés das casas da vila de Braga de Portugal.
“Quando acabará a lua nova para
que vendamos o cereal? E quando terminará o sábado para que comercializemos o
trigo, diminuindo a medida, aumentando o preço(29), enganando com balanças
desonestas e comprando o pobre com prata e o necessitado com um par de
sandálias vendendo até palha com o trigo?. Amós 8-5,6”
No lado de baixo do equador era
verão. O carteiro trajado num camisão cáqui cheio de bolsos, na cabeça um boné
bufante, e calças dotadas de suspensórios. Com sua imensa sacola a tiracolo,
percorria a Quinta da Boa Vista, bairro de São Cristovão. Buscaria a residência
de André Soares. Arvoredos e muito verde entremeados de imponentes construções
do período imperial enchia de graça seu espírito. A paz e o encanto
proporcionado remetiam ao tempo que a família imperial portuguesa habitou ali.
A bela casa da marquesa de Santos, de linhas neoclássicas, a casa do Barão
Drummond que depois de uma viagem a França, inspirou-se a construir o Jardim Zoológico.
Para arrecadar fundos criou a loteria dos bichos, todos os dias, um animal de
médio porte era colocado numa jaula coberta com um pano. Os visitantes mediante
o pagamento de uma pequena taxa de entrada no jardim apostavam que bicho
estaria dentro da gaiola misteriosa. No fim do dia revelava-se e os acertadores
recebiam um espólio do rateio. Estava criado o “jogo do bicho”.
“Respondeu a Amazias: Eu não sou
profeta nem pertenço a nenhum grupo de profetas(26), apenas cuido do gado e
faço colheita de figos silvestres. Amós 7-14.”
André Soares acordou por volta
das sete horas, seguia pela alameda das sapucaias, respirando ares da nobreza.
Imaginava que a qualquer momento fosse encontrar o imperador Pedro segundo, a
brincar. Sorriu ao imaginar um menino de longa barba, a correr pelo parque. A
poucos metros do Paço Imperial. Ali nascera a princesa Isabel. Eternizada no
nome da vila. Admirava o magnífico projeto
do arquiteto francês Glaziou. As aves perpetuadas, trazidas do antigo Campo de
Santana, atual Praça da República, palco da proclamação. De repente viu um
pequeno pássaro no alto de um oitizeiro, percebeu nele as características duma Escrevedeira de Garganta Preta, ora mas aquela espécie só existia lá no
Trás-Montes, terra do amigo João. Sim! Sem dúvida era a ave!
Serelepe buscou um fotógrafo
lambe-lambe, tinha que captar aquela imagem. Enquanto isso um teco-teco
monomotor sobrevoava a enseada de Botafogo, e o Cristo Redentor, até então
taciturno, fez menção de sorrir.
Fabio Campos
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