Agoureiro (Sangue no Chão)

O que daremos de contar. Pra alguns, teria se passado, a quatro, cinco décadas talvez. Pra outros, mais de dois mil anos já se foram desde então. De um tempo em que as famílias fundamentadamente patriarcais, sustinham os pais a herdade. Educava-a dentro de princípios, morais e religiosos, passados de geração a geração. As mulheres tinham seus bebês em casa. Enquanto os maridos iam buscar uma parteira pra ajudá-las no serviço de parto. E os homens ficavam sentados à porta brindando a chegada de mais um herdeiro. Entre taças de vinho e sorrisos de júbilo, discutiriam um nome cristão pro novo membro que chegava àquela família. Teria que ter afinidade com os demais nomes da sua ancestralidade. E comentariam com qual parente aquele pequeno ser, fisicamente, se parecia. Quem seriam os padrinhos, a data do batizado. Dona Maria do Leite, dona Maria da Pedra, dona Maria do Ouro iam a visitar a que dera a luz. E levariam seus filhos, que olhariam pro menino no berço, ririam dele. Depois corriam lá pro quintal. Sapecariam pedras nos frutos do trapiazeiro, derramariam o leite do gato, jogariam barcos de papel dentro da cisterna. A empregada traria pras visitas bolinhos de bacalhau e uma taça de vinho tinto. Pois se aproximava o domingo de páscoa.

Eram sete horas da manhã, do dia 31 de março de 1964 quando nasceu José Antero dos Reis da Costa. Sete da matina, quando sua mãe o concebeu. No exato instante em que caminhões do exército paravam na porta da prefeitura, da Cadeia Pública e do Tribunal do Júri. Faziam manobras militares revistavam indiscriminadamente os passantes. Prendiam gente do povo, bem como, gente de nome. Uma montanha de papéis virou fogueira na porta da Coletoria. Estudantes deixaram as escolas nas ruas, carregavam faixas e pichações que citavam o governo Jango. Gritavam palavras de ordem. Se corria alguém, era perseguido pelos policiais. Dava pra se ouvir o baque surdo dos coturnos no calçamento, os capacetes redondos só não caiam porque eram atados por baixo do queixo. As cabeças raspadas. Os nomes de guerra tinham-nos com tinta negra, afixadas com formas de metal, que cortava as letras ao meio. Sibilavam seus cassetetes, empunhavam metralhadoras. E atiravam medo, e olhares furtivos pra todo lado. Um professor foi preso, acusado de incitação a violência e desordem pública. O prefeito teve que entregar sua arma, um revólver calibre 38. Por ordens do comandante do exército da capital, foi detido, ficaria incomunicável na sala do delegado, enquanto durasse a operação militar. Um jipe camuflado levando seis soldados avançou pro interior do município. Pras bandas das Várzea de Dona Joana, a ordem era que deviam voltar trazendo: Valderedo, Zé “Gago” e Zé Crispim. Disparos de metralhadora encheram o muro da delegacia de pequenas barrocas vermelhas. Era o “El Paredon” cubano em pleno sertão. Não se sabe quantos tombaram sem vida ali. Os olhos eram vendados, atavam-se as mãos e os pés. Como se defunto pinicado de bala pudesse correr. Na verdade as amarrações eram pra facilitar no momento de colocar no lastro da pick-up. Destino: Paulo Afonso, a ponte de aço os aguardava pro último e único voo, depois de morto. As cápsulas dos projéteis, os meninos depois pegariam, e usariam como apitos. Bombas de efeito moral lembravam, nos estouros e no cheiro, os rojões do tempo das festas juninas. O barulho fez com que levassem o bebê do berço, pro colo da mãe, terno colo materno: aquecido, porem no peito que amamentava um coração acelerado, batia descompassado. Nunca na vida descobriria o menino porque tanto medo teria de estouro de bomba e foguetes depois de grande.

E viria a festa da padroeira que propiciaria o batismo. Muita gente na cidade, burburinho da criançada nos corrupios. A jogatina dos brincantes adultos, a angariarem um monte de quinquilharia. A festa concomitantemente profana e religiosa. A charola riquissimamente adornada com muitas flores. E a santa de pio olhar volvido pra Deus. Muita gente rodeando os degraus do santuário. A difusora melodiava com exclusividade pros namorados. O padre ladainhava missa, o coral sacrossanto, o turíbulo produzindo seu som e aroma característicos que atravessaria os anos incensando as palavras de Cristo, em latim, em português. Meninas de boinas brancas, luvas brancas, ramalhetes de flores, sapatos com meias três quarto, igualmente brancas. E suas saias, ora comportadas ora sumaríssimas, expunham pernas, adolescentemente longilíneas. Os lábios cobertos de batom evitariam o ressecamento dos lábios. E suas gargantas engoliam em seco, em úmido. Entoariam com muita ênfase os cânticos da missa. Ato litúrgico findo, agradecimentos aos que ensejaram o evento. O doutor juiz de Direito discursaria e comoveria a muitos. E suas feições ficariam para sempre na mente de alguns dos meninos que haviam sido obrigados a ficarem perfilados num pelotão feito soldados mirins. E diriam para si que um dia quereria ser juiz de Direito pra ter o respeito de uma multidão. O militarismo impunha seus ditames, para aquém, e além dos muros escolares.

Rural era nome de carro, concebido para o campo, porem em nada ficava devendo ao status dos carros da cidade. Diferente dos outros. Pelo porte alto. De parecer com a americanizada Veraneio, parente próximo da Caravan. José Antero teve um dia a oportunidade de entrar num daqueles carros. A estatura de criança fazia assimilar como bastante espaçoso. As imensas janelas remetiam aos ônibus da empresa Progresso o até então, único automóvel que havia experimentado. Dentro dum carro de passeio, propriamente dito, pela primeira vez lá se foi José, a fazenda Boa Vista, com o dono, e o filho do dono, seu amigo. Tudo era novidade, e explorou ao máximo. Andou pelo curral. Já ia o sol desabando pra ficar de coito com a montanha. Revigorado, retornaria dia seguinte, no lado oposto, pra disfarçar. Uma pequena aglomeração chamou atenção lá pro grotão. Dirigiram-se todos pra lá: Uma vaca estava parindo. Seu Dominício apreensivo pedia que não se aproximassem muito. E que fizessem o máximo de silêncio. O cachorro Maranhão não colaborava, latia e avançava, pondo quase tudo a perder. Seu Dominício um caseiro pau pra toda obra. Cuidava do gado, da roça, da cerca de arame, da ordenha, da casa grande, da sua casinha na encosta do morro, da mulher e dos filhos. E naquele momento, do parto duma vaca. Nos dias de sábado ia pra rua, fazer a feira, comprar meia dúzia de cacarecos. A melhor parte era passar na barbearia de Firmino os apetrechos iam pra junto do pote, e ia tomar cachaça até de tardinha. A primeira dose era na tolda de Zé Ciço, uma beberagem composta de limão, tempero, sal, um dente de alho triturado com um copo e um pouco de café pra espantar o caboclo. Na feira do rato trocou um rádio de pilhas por uma gaiola e um alçapão com dois coleirinhas e um soldadinho . Era a única vez que um matuto via um soldadinho preso.

Já se havia a semana santa. Naquele tempo, os sertanejos saiam do seu sítio e iam bater no sertão do Pajeú pra se confessar com frei Damião. O missionário capuchinho severo com os que cometiam o pecado da fornicação, fora do casamento. Pregava que Satanás, o próprio de chifre e rabo, viria buscar o maldito pecador montando-o como se monta a um jumento. Largando-lhe esporas desceriam pras profundas do inferno. E nem adiantava mentir pro frei de Bozanno. Conhecia quando o cabra estava mentindo. Por isso alguns preferiam ir do sertão de Alagoas pro Juazeiro do Norte a pé. Pra confessar-se com “padrinho” padre Ciço que era mais maleável, tinha dó do matuto em falta com Deus. A romaria saía no domingo de Ramos e a chegada era na quarta-feira maior. O sertanejo chamava a semana Santa de “Os dias grandes” Nos dias maiores usavam roupas de saco, um embornal contendo carne seca, farinha e uma rapadura. Uma moringa d’água, um par de alpercatas “Xô Boi” nos pés, e um chapéu de abas larga na cabeça. Entre os que iam tinha que levar uma imagem do santo do Juazeiro. Tinha uma romaria pra pedra do Urubu, município de Dois Riachos, mas era coisa de menino, mulher e velhos que não aguentavam rojão de puxar na perna, até o vale do Cariri.

José Antero naquele ano, foi a Juazeiro. Quando o sol no céu disse: meio-dia pararam pra descanso. Urubus voavam em busca do que comer. José Antero e Otacílio puxaram conversa sobre as agoureiras aves negras. O primeiro comentou: -Urubu não é ruim, o único bicho considerado impuro pelo povo judeu, era o porco. E buscando a bíblia leu: “Fareis pois diferença entre os animais limpos e imundos, e entre as aves imundas e as limpas; e as vossas almas não farei abomináveis por causa dos animais, ou das aves, ou de tudo que se arrasta sobre a terra: as quais coisas apartei de vós, para tê-las por imundas. Levítico 20:25”

José sabia que entre os homens e alguns animais existiam suas diferenças. Não raros são os que tem aversão de corujas rasgas mortalha, morcegos, borboletas pretas, sapos e cobras. Noutra citação há ensinamentos que dirá que todo animal do casco partido é puro: isso inclui o boi, o camelo, o bode, o carneiro, o porco. O próprio Deus teria posto inimizade entre o homem e a serpente com vê-se no livro de Gênesis. Matutava sobre outra passagem no Evangelho: “Ouvi-me vós todos e entendei; o que vem de fora e entra numa pessoa, não a torna impura; as coisas que saem de dentro da pessoa é que a torna impura. Quem tem ouvidos ouça. O que sai do homem é que o contamina. Pois é do interior, do coração dos homens, que procedem as más intenções, como a imoralidade, roubos, crimes, adultérios, a cobiça, as maldades, malícia, a libertinagem, a inveja, a blasfêmia, a soberba, a insensatez; todas essas coisas mais saem de dentro da pessoa, e são elas que a tornam impura. (Marcos 7-14-23-4).

Será que o que era falado incluía os abutres?” José não acreditava que urubus fossem aves maus agourentas. Sabia da árdua função de limpar as carniças do mundo. A história de que aquelas aves não comiam carne humana foi desmistificada. Seu Otacílio contaria que esteve na emboscada de Angicos e os corpos dos cangaceiros ficaram expostos por dois dias. O cheiro forte de carne exposta, sangue no chão acabaria atraindo urubus, e se não fosse a intervenção da polícia as aves teriam os devorados mesmo sem cabeça.”

Fabio Campos 31 de março de 2015

Dublez de Escarnecedeira

Chamavam-na simplesmente de Maria. O mais comum dos nomes de mulher, no sertão nordestino. Nascidas vias de regra, no seio de famílias pobres. Diferente não fora com Maria Pastora. Casinha de taipa, bem no pé da serra do Gavião. A infância desenhada, no espinho de limoeiro, na folha da palma e do mandacaru, encravados intumescência de seiva. O desabrochar dos anos, feito a flor do maracujá mudou-se o sexo. Em duas cabacinhas de melão viu mudar seus seios.  No buscar de água do barreiro morenou a pele, no desfrutar do umbu-cajá adocicou os lábios. E de tanto banhar-se no negrume da noite do sertão, pretizaram-se os cabelos.

No dia de São José, ia o povo a vila, pra acompanhar a procissão e missa, em honra, ao santo devocional da paróquia de São José da Tapera. Toda uma preparação envolvia aquele dia tão esperado, uma novena de orações e ladainhas noturnas, antecedera aquele culminante ato religioso. Um grupo de senhoras zeladoras da igreja, de casa em casa haviam ido, angariando doações que serviria de prendas pro leilão. Senhor José Abadias, pai de Maria, como a maioria dos camponeses que tinha o nome José por pré-nome, devotos que eram do santo,  ensejando o momento festivo vestiam terno, ou punham sua melhor roupa. E os amarrotados chapéus dos dias de labuta substituídos eram por chapéus de massa Coty, Prada ou Panamá. O ano inteiro guardados justo para aquela ocasião. Montados em seus cavalos acompanhariam a comitiva que levava o andor do santo. Velas acesas sobre castiçais de porcelana, imagens de São José, sentadas sobre mantas estampadas nos batentes das janelas das casas. Ricamente paramentado, de estola alva e roxa, porque era tempo da quaresma, o padre ladeado do bispo com mitra e báculo dourado. Sisudos pelo que exigia o ato iam os coroinhas, carregando lamparinas, vibrando matracas.

Os dias daquela devoção eram sempre marcados pela iniciação do período de chuvas. Sendo por acaso o ano seco, parte dos fiéis seguiria o cortejo, praticando algum tipo de expiação. Homens vestiriam hábitos franciscanos, pés descalços, cocuruto da cabeça raspada, ou carregaria uma cruz pesada às costas, algumas mulheres vestiam-se como freiras, outras iam com véus na cabeça, levariam nos braços imagens de santos, ex-votos,  e pequenos oratórios.   Esperavam com isso que a misericórdia divina lhes trouxesse indulgências em forma de chuvas. No passado viera de Portugal pra aquela freguesia, o padre Joachim Setubal e trouxera uma tradição que permanecia até então na época de estiagem. Nove rapazes chamados José com idade entre 18 e 20 anos seguiria a procissão, carregando pedras de até cinco quilos aos ombros. O que representava penitência pela seca. E nove moças chamadas Maria iam levando ramos de catingueira, e palhas de ouricuri, as duas plantas nativas mais comum do semi-árido, simbolizando a resistência do sertanejo. Jumentos e carros de boi davam a procissão às mesmas características da caravana do povo de Deus conduzida por Moisés e Araão  quando deixaram o Egito.  Naquele ano Maria Pastora estava entre às noves, e conheceu José Agripino um jovem do sítio Gameleiro que seguia a procissão com uma pedra ao ombro. Foi amor a primeira vista.

“Disse Josué também ao povo: santificai-vos porque amanhã fará o Senhor maravilhas no meio de vós. E falou Josué aos sacerdotes dizendo: Levantai a arca da aliança e passai adiante deste povo. Levantaram pois a arca da aliança e foram andando adiante do povo. Chamou pois Josué os doze homens escolheram dos filhos de Israel, de cada tribo um homem. Subiu pois o povo do Jordão no dia dez do mês primeiro e alojaram-se em Gilgal do lado oriental de Jericó. E as doze pedras que tinham tomado do Jordão, levantou-as Josué em Gilgal. E falou aos filhos de Israel dizendo: Quando no futuro vossos filhos perguntarem a seus pais dizendo; Que significa estas pedras? Fareis saber aos vossos filhos dizendo: Israel passou em seco este Jordão.(Josué: 3:5-6;4:19-22)”

José e Maria se deram em namoro, e o fogo da paixão acenou-lhes breve casamento. Os banhos foram proclamados, padrinhos e madrinhas convidados. E no tempo aprazado as bodas celebradas. Maria Pastora vestida de noiva ainda mais bela ficaria. José o noivo, por todo o dia de festa uma só simpatia. Não faltou um trio de forrozeiros com sanfona, zabumba e triangulo e se ouviu um autêntico forró “pé-de-serra”. O que tornava tudo ainda mais animado. E seguiu seu caminho o destino. O casal foi morar numa casinha lá embaixo beiçando o sopé do serrote. Donde havia um poço profundo que minava água o ano inteiro. Os noivos realizavam com prazer seus afazeres, e era tanto o amor entre eles que não raro deixavam suas obrigações para se entregarem a desvairado amor caliente.  Numa das ocasiões que acabaram de se amarem, ali mesmo no meio do roçado, ainda despidos, Maria Pastora em rompante desvario teria declarado ser ele tudo o que mais amava e queria na vida. E que nada no mundo, jamais acabaria com a felicidade que agora sentia. José como era um homem temente a Deus advertiu-a: “-Maria, diga pelo menos que tudo está na mão de Deus. Ao que ela retrucou: “-Que mão de Deus que nada! E por acaso as mãos que estão agarrando esses teus bagos é a de Deus? É isso aqui que me faz feliz homem! " "-E é isso que vai te deixar prenha, a  botar moleque no mundo!”. Os anos se passaram e os aguardados filhos não vieram. Muitos anos depois viriam. Mas só depois que Maria Pastora se desenganara do marido e a decepção,  a levaria a traição. De outros  homens que levou pro leito conjugal tivera três filhos. E José Agripino os criou como sendo seus. Mas um dia veio a descobrir. Nesse tempo eles já vivam na cidade, eram agora prósperos comerciantes,donos de um mercadinho de secos e molhados. Não suportando viver sabendo de tal situação, José amargurado entregou-se ao vício da embriaguez, muito doente ficou e acabou morrendo.

Maria Pastora tocou o barco. Mulher fogosa, de meia de idade, com as carnes rijas, tudo ainda no lugar. Bem sucedida no ramo de comércio, não faltava pretendente. E acabou que assumiu um relacionamento sério com um soldado de polícia reformado, que já fora casado mas agora vivia separado. Na verdade pai de um dos seus filhos. O polícia gostava de moto, não perdia uma corrida de MotoCross nem os festivais de encontros de motoqueiros. Em que se vestiam com roupas pretas,muitas peças metálicas e também pircings e tatuagens  Acabou montando em sociedade com a viúva, uma loja de peças automotivas e venda de motos semi-novas. Tudo ia de vento em popa. Os três rapazes estudavam que era uma beleza logo se formariam dando orgulho a mãe. Um tio de Maria Pastora que a muitos anos vivia  em São Paulo, lhe  fez uma visita e comentou: “-Pôxa! Minha sobrinha graças a Deus você está bem, eh?” Ao que responderia: “-Graças a Deus? Eu não trabalhe não...Me acordando cinco da manhã todo dia pra ver sevem das graças de Deus! E o tempo tornou a torrar as horas, queimar os dias, ferver os meses, cozinhar os anos. E os negócios de Maria Pastora começaram a dar pra traz. Duplicata não paga que se vencia, prejuízo grande em mercadoria vencida, dívidas e mais dívidas se acumulavam. Por fim a banca rota. Pra sobreviver Maria teve que transformar o mercadinho num bar que acabou virando cabaré.

Apesar de tudo Maria Pastora gozava do privilégio de contar com influentes amizades. Prefeitos, empresários . O fato de ser, uma mulher, mesmo madura, bastante desejada pelos homens era ponto a seu favor. A presença constante de gente da alta, fazia com que o bordel fosse frequentado por homens de dinheiro. O comércio do corpo não demorou trouxe estabilidade pra dona. Com direito a uma retomada de vida. Dando até pra juntar dinheiro no banco, pagar faculdade dos filhos, comprar alguns imóveis. Inclusive uma chácara na praia da Barra de São Miguel. Semana santa, era só mais um final de semana prolongado pra curtir o mar, a brisa e os coqueirais, música, churrasco, uísque com água de coco.
Na hora de voltar pro sertão, o carro ficava abarrotado de frutas, apetrechos de acampar, colchões. Os filhos, sobrinhos tinham que se acomodar no meio da bagunça. Ao se despedirem Seu Manoel o caseiro, o velho pescador que cuidava da casa de praia recomendaria: -Vá com Deus dona Pastora! Que Nosso Senhor Jesus Cristo e a Santíssima Trindade vá na companhia de todos vocês! A cafetã pilheriou: “-Danou-se Seu Manoel! O carro cheio desse jeito! Vaga só tem na mala." No outro dia, na central de velórios quatro caixões de defunto  estavam sendo velados. No final daquela tarde, noite tenebrosa a medida que iam sendo tirados os corpos, do carro totalmente destruído, estarrecido o guarda rodoviário comentava:
“-A mala, única parte que ficou intacta.”  

Fabio Campos  24 de março de 2015