O Crime de Tagor Fashall – Lucindo Volta do Mundo dos Mortos (3ª Parte)



Um ser incrivelmente grande, e perigosamente destruidor, naquela direção vinha vindo. E o menino Marcos, do nada surgido, no meio da floresta, atordoado. De repente, um gato siamês apareceu. Passou correndo. Reconheceu! Aquele gato era Derick! Tinha certeza! Pela tonalidade do pelo. A ponta das patas, as orelhas e o focinho queimado, não tinha dúvida era ele. Debaixo do sol àquela hora do dia. Ainda mais bela e acinzentada ficava sua pelagem. Gatos que já havia morrido, a sair correndo do meio da selva. Fugindo de algo do qual tivera medo. Normalmente isso só acontecia em sonho. Certeza não tinha ainda, mas era muito provável que estivesse sonhando.  
 
A vila, e suas casas caiadas. Aqui acolá, uma casa de outra cor que não o branco. Azuis azulejados.  Amarelos alaranjados. Tudo duramente, de sol azougado.  As ruas largueadas, tão espaçosas a ponto de tornar nanico tudo que estava na outra margem. E acabava indo pra outros tempos. Num outro lado de tudo. Num tempo em que o estilo de vida era chamado de colonial, e os modos do povo, feudal. Homens carreando carros de boi. Deles que açoitavam tão violentamente os pobres animais que os patrulheiros da guarda florestal intervinham, e coibiam severamente tais excessos. A roda cantadeira, de pau e ferro, ia carimbando o barro batido. Enfeitando o chão com o par de fitas. Se esticando, se esticando, pra só-quem-sabe-é-deus, pra onde ia. Macarroneando a estrada. Entremeadas de conchinhas, com um “vê”, dos cascos bipartidos. Charretes puxadas à mula levavam e traziam Lordes e Sinhazinhas belamente trajados. Damas, em vestidos de muitos laços, anáguas e babados, graciosos chapéus cobrindo suas longas madeixas. Cavalheiros, de ternos, gravatas borboletas, cartolas. Lenços em tons pastéis, no bolso do peito. Bengalas nas mãos de luvas, as pedras dos broches na lapela, flamejantes, a ferir os olhos dos passantes. As lentes dos óculos do barão. O brasão em latão, no alto do prédio do governo municipal. Sombrinhas não tão atrozmente sérias, sendo armadas com gestual excessivamente túrgido de polidez. Como flor de intumescência insinuantemente sexual. Os estribos das carruagens, vindo calhando como apoio às botas lustrosas, os sapatinhos forrados de fitilho e sianinha. Ao descer corriam a se proteger da poeira, da lama, e do sol. As montanhas do lado do sol poente foram pra tão longe que os olhos marejavam de tristeza só de olhar. No lado oposto, no entanto, havia uma que de tão próxima parecia que se podia tocar com a mão. Pra onde levaram o rio? Lembrou do rio que passava por detrás das casas. Por que o sol mudara de posição? Por que agora ia se por do lado contrário? Era rio temporário, no tempo de outrora não estava seco, pois era inverno. Areal aboletado de cansanção, mancambira, facheiro, maniçoba. Os verdes vistosos. Mandacarus sabiavam Sabiás Laranjeiras. Colibris borboleteavam, doidos pra se deleitar nos peitos cor púrpura das cactáceas. Espinhos longos, pontudos sem nenhum remorso, sangrariam a garganta de qualquer tiziu, que se aventurasse sugar o néctar de um daqueles mamilos. 


Um condado mexicano era o que aparentava. E havia tanta brancura nas coisas que estavam no chão, ou pairando no ar, no céu azul, e nas nuvens. A torre da santa igrejinha branquinha com o mesmo formato do portal do tempo. Na taberna que Tagor Fashall bebeu vinho só havia breu. No mundo dos sonhos era assim. Ninguém tinha a menor ideia do que iria acontecer no momento seguinte. Derick era todo cinza, perto de meio dia ficava azulado, e totalmente negro de noite. Um apartamento cor de rosas vermelhas, encimado num primeiro andar. Em baixo ficava a garagem. Lamparinas pendidas do teto, em silêncio àquela hora da matina, pra não acordar os pirilampos. A escada tão perpendicular, e de tantos degraus, que se não tivesse cuidado levaria Marcos pro portal que dava acesso a ilha. Era só chegar da escola dormindo e pronto, ia pra lá. Já havia esquecido porem ao ver novamente, acabava lembrando. Aquela estrada que ninguém sabia de onde vinha, nem aonde ia dar. Aquela estrada todo dia passava e levava um velho puxando uma mula, igualmente velha. Tinha agora mesmo que recomeçar. Mas por onde mesmo começar? Pelo livro que Antonieta lhe dera. Não demoraria a descobrir que aquele não era apenas um livro. Era um livro mágico que o levaria a descoberta de todo mistério. A mãe de Derick viu quando Rafael Bertrand chegou na sua motocicleta barulhenta, entrou na garagem. E ela, a gata Milu sorrateiramente entrou também. Ninguém sabia, somente ela mesma, que estava prenha e acabou tendo ali sete gatinhos. Acontece que cinco deles acabou entrando pelo portal do tempo, somente dois deles permaneceu ali.  


Chiclete e Bola de gude foram estes os nomes que Marcos pôs nos dois gatinhos. Foi numa manhã que seu pai mandou pegar uma chave de fenda, pra consertar sua bicicleta, que os descobriu escondidos dentro dum caixote debaixo da bancada. Com medo que seu pai descobrisse e resolvesse livrar-se dos intrusos, com os dois bichanos selou um acordo, manter-lhes-ia escondidos em segredo. A mãe de Marcos nunca desconfiou, nas refeições ele colocava um pouco de comida num guardanapo, guardava no bolso e levava pra Chiclete e Bola de Gude. Saindo em disparada Marcos conseguiu alcançar Derick, os dois se abrigaram numa fenda da rocha. Passado o susto conversavam bastante na entrada da gruta do Santuário. Falaram do trovão, e da parede que o grande dinossauro derrubou quando passou. Derick sabia de muita coisa, sabia que Tagor Fashall havia sim cometido um crime, e por isso jamais encontraria o tesouro perdido. O tesouro reservado estava para uma pessoa sem culpa, e que só boas obras tivesse realizado na vida. Derick achava que Marcos tinha chances de descobrir o tesouro, porem não seria fácil. Prometeu noutra oportunidade contaria mais sobre Tagor Fashall. Na hora do desespero os amotinados haviam fugido, e agora, aos poucos retornavam. Encontraram o acampamento totalmente destruído. Semelhava a destruição de um rio quando vinha uma enchente. Dos alienígenas nem sinal. Apenas o feixe de luz tênue que saía do cume da montanha subia até o espaço, e desaparecia de vista quando atingia o fim da atmosfera. Tagor Fashall e Antonieta tanto caminharam pela praia que acabaram chegando ao outro lado da ilha. Morion Lucindo havia voltado pra vila, Émile Passion ao vê-lo desmaiou. Foi forte demais pra ela, ver seu velho pai são e salvo, voltar da terra dos mortos. Tanta era a curiosidade dos aldeões que iam à oficina, a verem com seus próprios olhos o morto-vivo. Somente na aparência o ferreiro da aldeia parecia o mesmo. Estranho estava no modo de agir, parecia outra pessoa. Uma questão ainda tinha que ser esclarecida, quem realmente o assassinara. Fora intimidado a depor, mas teria dito ao delegado que de nada recordava. O homem da Lei confabulou que das duas uma: ou ele queria livrar o sobrinho Rafael Bertrand do crime, ou reforçava a tese de Tagor que aquele não era Seu Lucindo de corpo e alma. Achava que seu corpo estaria hospedando um alien, retornara a vila tão somente para investigar, e levar informações para os extraterrenos. Quando alguém perguntava como era no mundo dos mortos, Seu Lucindo contava uma história: 


“Assim que a gente morre, Hermes o deus mensageiro, dos pesos e das medidas, vem ao nosso encontro, e conduz nosso espírito até o reinado de Hades, do rei Érebo da terra dos mortos. Um palácio sombrio e sinistro com portões monumentais, eternamente guardados por Cérbero, o cão de três cabeças e cauda de serpente. Mediante o pagamento do óbolo o barqueiro Caronte, em sua barca, atravessa os mortos através do rio Aqueronte. Minha filha Émile pôs a moeda de um danake debaixo da minha língua por isso pude pagar. Porem vi muitos mortos que não tendo como pagar estão à margem do rio, e lá permanecerão por toda eternidade. A terra dos mortos fica no extremo ocidente, além do rio Oceano, muito abaixo da superfície da terra, lá se encontra o portal do castelo de Cumas. No topo da montanha de Aqueron. Onde nascem e descem vários rios. O Rio Flegetonte, o rio de fogo, que purifica os espíritos de tudo de ruim que adquiriram em vida. O Rio Cócito, o rio do pranto e do lamento, onde as almas se arrependiam de tudo de ruim que fizeram na terra. O rio Erídano, o rio em que os mortos têm de prometer nunca contar aos vivos o que viram naqueles domínio. Rio Lete, o rio do esquecimento, os mortos são obrigados a beber de suas águas para esquecer tudo o que haviam vivido aqui na terra. O rio Estige, o rio da imortalidade, ao beber de sua água os homens se tornam imortais. E finalmente o rio Aqueronte, o rio da eterna aflição, onde as almas experimentam a travessia, donde nunca mais podem voltar. O feroz guardião permite somente a entrada, não deixam porem ninguém mais sair. A morte é um caminho sem volta. Não foi pra mim, porque os espíritos dos planetas distantes me resgatou.


Nem tudo no mundo dos mortos é só aflição. Têm os Campos Elísios, também chamado de “Ilha dos Bem-Aventurados”. Um lugar aprazível e de grande beleza pra onde são levados os heróis, os santos, os poetas. Ali o sol brilha eternamente, e dum alto monte cai uma cascata de vinho, onde se pode beber quanto se queira, sem se embriagar. E o vale das almas Nemôsine, os iniciados em desvendar mistérios. Os que estão ali ficam mil anos, até apagar-se tudo de terreno que houver neles. Depois dessa purificação, lhes são revelados os segredos do portal, e por isso poderão um dia voltar a terra, em forma de animais.”


O Grande Dinossauro por onde passou grande estrago fez. Ninguém sabia, mas viera das profundezas da terra atendendo um chamado dos aliens. Das profundezas glaciais da ilha, o fóssil acordou. Controlando sua mente através de uma mensagem telepática, os alienígenas lhe encarregaria de tirar, com sua força, uma grande pedra que obstruía o acesso até a sala do tesouro. Pra chegar até lá, o réptil pré-histórico destruiu tudo que viu pela frente, árvores enormes na floresta, o acampamento. Suas pegadas ocasionaram crateras que um dia se encheria com água da chuva e seriam chamados de açude.  Enquanto fazia a escavação o Tiranossauro Rex acabou encontrando um Coendou prehensilis, um Quandú gigante, que hibernava dentro de sua toca. O roedor tamanho família acordou furioso. Os dois bichos se atracaram. Acredite, a briga foi feia. 


Fabio Campos 08 de junho de 2015 (Não foi ainda o fim...)

   

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