“E a todo animal da
terra, e a toda ave dos céus, e a todo réptil da terra, em que há alma vivente,
e toda erva verde será para mantimento; e assim foi. E viu Deus que tudo quanto
tinha feito era muito bom. Livro de Gênesis 1,30”
Essa é a história do começo e do fim do mundo, segundo algumas pessoas. Seu Enéas, dona Terezinha, e Thomas.
Thomas nem naquele tempo existia, mas entra na história assim mesmo, porque criou
uma versão inédita pro fim do mundo. Vamos nos reportar a um tempo em que não
existia avião supersônico, a bomba atômica estava surgindo ainda e os matutos chamavam de
bomba tônica. As roupas ainda eram de puro algodão, feitas em casa numa máquina
de costura. O poliéster, e o nylon não existiam ainda. Naquela época façanhas difícil
de acreditar como a ida do homem a lua, acabava virando chacota, nas pontas de
rua. O povo dizia: “O homem na lua? Só no dia que a galinha criar dente, o boi
voar, ou no dia de São Nunca de meio dia pra tarde.” Vamos por parte. Galinha
criar dente, vagas informações tínhamos sobre tal evento. Quanto a um boi voar,
o Conde Maurício de Nassau conseguiu. Lembro como hoje, quando lá na sala de
aula do velho educandário Ginásio Sant’ana o ilustríssimo professor de história
geral e do Brasil professor Conrado, nos contou.
“Em 1630, ocorreu a segunda expedição militar
holandesa ao Brasil. O conde Maurício de Nassau veio da Holanda administrar
as terras conquistadas, e estabelecer uma colônia holandesa no Brasil, com
sede na cidade de Olinda em Pernambuco. Dentre as grandes obras desenvolvidas pelo
Conde de Nassau, destacaram-se a construção de duas pontes sobre o rio
Capibaribe. A primeira unia o Recife à cidade Maurícia, na altura da atual
ponte Maurício de Nassau, e uma outra que tinha sua cabeceira leste na Casa da
Boa Vista e se estendia até o continente, ambas obedecendo a projeto
encaminhado ao Conselho dos XIX, em 31 de março de 1641. Por dificuldades na
execução dos trabalhos no trecho mais profundo do rio, no início do ano seguinte,
as obras estiveram suspensas. Tal fato veio provocar censura escrita do
Conselho dos XIX que, em carta datada de Amsterdã, em 24 de outubro de 1643,
indaga em tom irônico: "Como não recebemos há muito tempo notícia da ponte
faz-nos isto pensar que a mesma nunca será terminada". Tal provocação
mexeu com os brios do Conde de Nassau que resolveu tomar para si a tarefa de
conclusão dos trabalhos. Utilizando-se para isso de seus próprios recursos. O
Conde de Nassau, por sua vez, quando da inauguração da ponte do Recife,
resolveu fazer uma brincadeira com os moradores que, graças ao registro do frei
Manuel Calado, testemunha ocular, entrou na memória coletiva do nosso povo. A
fim de obter um maior número de pessoas pagando pedágio na ponte, no dia da sua
inauguração, João Maurício anunciou que um boi manso, pertencente Melchior
Álvares, iria voar.
No primeiro dia que o povo haveria de passar sobre a grande ponte para o Recife. Ordenou o Príncipe uma festa, e convidou aos do supremo Conselho a comer. E mandou esfolar um boi inteiro, e encher as entranhas de erva seca, e o pôs encoberto no alto de uma galeria que tinha edificada no seu jardim; e logo pediu a Melchior Álvares emprestado um boi muito manso, que tinha, e o fez subir ao alto da galeria, e depois de por o boi a vista da grande quantidade de gente que ali se ajuntou. Em surdina mandou metê-lo dentro dum aposento, ao tempo em que dali tiraram o outro boi que era só couro, cheio de palha e o fizeram vir voando por umas cordas, um engenho, muito bem arquitetado para ser visto pela gente rude que ficou admirada. E tanta gente passou de uma para outra parte, que naquela tarde a ponte em pedágio rendeu ao conde mil e oitocentos florins."
No primeiro dia que o povo haveria de passar sobre a grande ponte para o Recife. Ordenou o Príncipe uma festa, e convidou aos do supremo Conselho a comer. E mandou esfolar um boi inteiro, e encher as entranhas de erva seca, e o pôs encoberto no alto de uma galeria que tinha edificada no seu jardim; e logo pediu a Melchior Álvares emprestado um boi muito manso, que tinha, e o fez subir ao alto da galeria, e depois de por o boi a vista da grande quantidade de gente que ali se ajuntou. Em surdina mandou metê-lo dentro dum aposento, ao tempo em que dali tiraram o outro boi que era só couro, cheio de palha e o fizeram vir voando por umas cordas, um engenho, muito bem arquitetado para ser visto pela gente rude que ficou admirada. E tanta gente passou de uma para outra parte, que naquela tarde a ponte em pedágio rendeu ao conde mil e oitocentos florins."
O menino Thomas andou vasculhando as coisas do avô.
E acabou encontrando uns manuscritos bem antigos. Parte estava escrito a pena
nanquim, sendo outra parte escrita a grafite. Eram folhas amareladas, tão
velhas que com o simples toque dos seus dedos quase se desmanchavam. Os
escritos falavam de duas versões para o futuro do mundo. Thomas leu-as com
bastante calma e atenção. Dali formularia seu próprio conceito sobre o começo e
o fim do mundo. A primeira versão dizia o seguinte:
“Hoje são 08 de agosto de 2075. Não digo isso de
mim mesmo, é que uma folhinha do calendário trazida pelo vento veio grudar-se
na perna da minha calça. Já não lembro quantos dias fazem que não me alimento.
Estou procurando algum resto de material orgânico no lixo para comer. Preciso
colocar algo no estômago para ser digerido. Sei que não é fácil encontrar.
Ninguém mais joga resto de comida fora. Faz muitos anos que alimento virou
coisa tão preciosa, comparável com os mais raros metais como diamantes e ouro.
Nessa metrópole em que vivemos o que se acumula pelas ruas são entulhos, ferro
retorcido, construções desmoronadas. Depois da terceira grande catástrofe, que
os homens chamaram de terceira grande guerra, tudo é só destruição. Ainda a
pouco passei por um cadáver de um homem que estava sendo devorado por cães. Não
demoraria e logo apareceriam outros predadores, abutres, ratos e mesmo os
humanos canibais que aqueles que se drogam e vivem no interior das galerias nos
subsolos. É comum encontrar nos becos imundos, corpos em estado de
decomposição, de pessoas que morreram de fome. O ar é pesado, o mundo é uma
fedentina só. A carne podre e a enxofre fede o mundo. De vez em quando ouvem-se
explosões vindo de boeiras, por conta do metano acumulado nas galerias do metrô,
com o calor, qualquer atrito que gere faísca e uma explosão é causada. Com a
chegada da noite aumenta o perigo. Como não mais existe energia elétrica alguns
seres das trevas saem para caçar. Seres que desenvolveram aptidões para
sobreviver e passaram a enxergar no
escuro, e matam outros humanos para comer. Já está escurecendo vou pro meu
abrigo. Com um toco de lápis grafite num pedaço de papel de uma folha pautada
de caderno escrevo isto, objetos que a muito não existe, relíquias do tempo de
meus avós. Pra não esquecer que ainda sei ler e escrever escrevo. Esse pedaço
de papel vou pregar num poste, sei no entanto que será levado pelo vento. Não
sei se alguém algum dia alguém encontrará e lerá, quem sabe guardará. Não vou
assinar meu nome simplesmente porque sequer me lembro como me chamo.”
A outra versão; “Hoje são 08 de agosto de 2075. Da
janela do meu apartamento contemplo o mundo. A metrópole vive coberta por uma
grande redoma de vidro. O ar que respiramos é filtrado, É preciso que passe por
um processo de purificação muito caro. Cada cidadão tem que pagar pelo ar que
respira, é considerado consumo. O que consome vem numa taxa única, não adianta
reclamar. O céu hoje amanheceu ainda mais congestionado de aeronaves, Isso
ocorre em dia de feira livre ou dia de show de uma banda famosa. Tanto tempo
faz que a população não anda mais por debaixo da terra nos antigos metrôs.
Agora o meio de transporte mais utilizado são as espaçonaves, cada cidadão tem a
sua, para se deslocar até o trabalho. As roupas são coladas no corpo, feitas
de uma fibra sintética auto limpantes inclusive mantém temperatura ideal, longe os germes e as impurezas do ar.
A minha secretária eletrônica está me avisando que o meu almoço está pronto. Em cima da mesa três cápsulas que contém todos os nutrientes de que
necessito para manter-me saudável. As crianças
estão nas escolas virtuais, nem precisam sair de casa, e estão estudando. Deitados em suas macas recebem as instruções de que necessitam. Os empregos são
oferecidos as pessoas de acordo com suas aptidões mapeadas nos seus DNAs. Agora
mesmo estou saindo de férias irei para Marte para uma turnê ver os ‘Colossais
das Galáxias” que é a mais famosa banda de rock que existe atualmente. Os filmes assitimos em praças públicas em telas de gases que surgem e somem como fumaça, os animais de verdade não existem mais. deles só restaram hologramas. Também não mais existem florestas, nem plantas, nem cachoeiras tudo é virtual.”
Thomas chegou dizendo o que naquele dia, aprendeu
na escola, que Deus criou o mundo e todas as coisas que há nele. Todos os seres
Ele criou. Ficou muito sério e pensativo tentando entender como isso se
procedera. A partir daí, tentou formular seu conceito de criação do mundo.
Disse: “-No dia 08 de agosto do primeiro ano do mundo, Deus disse faça-se as
coisas e as coisas se fizeram. Deus fez meu vô, minha vó, minha mãe, fez eu, minhas
primas Aika e Sofia, e Deus fez meu pai. Por isso daquele dia em diante se
comemora o dia dos pais. Porque o pai do céu, naquele dia criou os pais da
terra. Somos criaturas de Deus Ele nos criou.” E continuou, de si mesmo dizendo:
“-Vô, o mundo é feito de barro. De barro Ele fez. Do chão pegou uma bola de
barro e fez o mundo. Assim como nós meninos pequenos pegamos bolinhos de barro, e
moldamos bala de bodoque, bala de atiradeira. Deus pôs um pouco de água pra
ficar mais fácil de moldar, por isso a terra é coberta de água, mas no seu
interior é toda de barro. E pôs o mundo no sol pra ficar bem fixo. Lembro que
um dia a minha rua ficou toda inundada. Naquele dia Deus estava moldando o
mundo, e balançou tanto as mãos que sobrou um monte de água na minha rua.
Parecia que o mundo ia se acabar, mas com muita paciência tudo se resolveu. Por
causa da saliva de Deus as águas do mar ficaram salgadas. O cuspe dele é azul. Por
isso o mundo é azul. No dia 08 de agosto de 2015. Nessa data Deus vai colocar a
terra, no seu estilingue. A bola da terra Ele vai atirar. Em direção ao
interior do universo vai atirar. Nesse dia o mundo vai girar com tanta força que
nós, os bichinhos que nele vivemos vamos precisar nos segurar em alguma coisa, nos
seus pelos. Os pelos da terra são as árvores. Se não nos segurarmos podemos voar,
tanta será a força e a velocidade da bala do mundo girando pelo universo. Com isso a terra pode incendiar. Mas isso
não vai acontecer nem tão cedo. Somente no dia 08 de agosto de 2015. Tanto
tempo ainda temos para viver. Enquanto isso não acontece, o melhor é viver,
brincar, ser feliz. Cada um, com seus melhores amigos. Não é mesmo vô?” Assim
disse Thomas.
16 de julho de 2015
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