A lua, dali a pouco, a navegar o tapete de ouro de Ofir. Por enquanto no
meio da mata ia andando. Nos calcanhares
do céu navegante. Os pirilampos cataporando a derme lenhosa das árvores. Os
saguis nos ocos dos pés de paus aguardariam o raiar do dia. Quando viesse a
aurora com seus assovios, de fazer cócegas nos ouvidos, diriam de que
necessitavam de brotos, vermes, frutos, talvez um favo de mel. Cheiro forte de
resina incensando os pensamentos. E o mato verde amornando lembranças, daquilo
que nunca tinha vivido, mas ficara a ideia, pelo menos, como havia sido. De um tempo lá trás, a época dos
desbravadores desconhecidos, que jamais seriam conhecidos. Nunca imaginavam que
um dia, seria história.
As brasas da fogueira, cobertas de cinza, quase apagada. A brisa matutina
soprando sobre Kanu e os tições. Kanu contemplava tudo. Tudo o que era e que
havia na sua existência. Kanitu estava lá, embora ninguém visse, e se aquentava
do frio do orvalho da madrugada no que restava de calor. Kanu na época ainda era uma menina. Os peitos
desnudos eram só esboço do que um dia seria duas fortes mamas. As auréolas
morenas diriam que seriam profícuas pros que um dia seria suas crias. Como
ainda eram as de sua mãe naqueles dias de então. Já havia passado pelo
traumático porem obrigatório, ritual da iniciação a idade adulta. Teve os pelos
todos do seu corpo raspados. Os pais
cumpriram suas obrigações, tendo um que trazer o peixe Fugo Baianju, a mãe um
punhado de larvas de Agave Maguey que se cria nos ocos de pau mortos para
entregar ao líder da tribo. Duas iguarias adorada por Tupanapam. Teria o corpo
todo coberto por óleo de mamona e pétalas de lírio selvagem. Orações para
purificação do corpo. Uma semana sem poder ver a luz do sol, não ter contato
nem ser vista por homem nenhum. Dali por diante os jovens da tribo
candidatar-se-ia a seu noivo. Formulariam os pedidos diretamente a seus pais.
Mesmo assim agradeceu aos céus não pertencer à tribo dos vizinhos Nuankes, da
terra do sol poente, por detrás de Maugaxe “a cadeia de montanhas que uivava”. Lá os costumes eram outros muito piores. Os
corpos dos guerreiros inimigos mortos em combate era assado e comido, pois praticavam
o canibalismo. Ao atingirem os nove anos de idade os meninos passavam pelo
doloroso processo de circuncisão. Em fila eram levados ao curandeiro que ficava
no centro da taba de cócoras ao chão com um pedaço de pau e um facão. Um a um sentavam
a sua frente os meninos. Sobre o cepo o couro excedente do pênis era esticado,
e dum só golpe de facão extirpava o prepúcio do menino. Já as meninas ao
atingirem os treze anos da mesma forma perdiam seus clitóris também extirpado a
faca.
Do primeiro partido político formado no Kênia tiraram o nome Kanu. Em
1960 criado pelos remanescentes de sua tribo um movimento intitulado de Kenia
independente. Jomo Kenyatta foi o líder, e levaria a independência a seu país
um estreito pedaço de terra as margens do oceano Índico Espremido pelo Sudão,
Etiópia e a Tanzânia. Terras de grande diversidade da savana, subsolo rico de
pedras preciosas. Jomo “O bravo guerreiro que empunhou o escudo e a lança”. O
mais forte da tribo de Java. Fatos heroicos por ele protagonizados tornaram-no
herói. As batalhas e conquistas de seu
exército de mil homens se transformariam em epopeia. Narradas em versos e
prosa. Jomo pela conquista se tornaria primeiro presidente, Aquela longínqua
aldeia experimentaria muitas mudanças depois de adquirir liberdade. Para sempre
eternizadas nas muitas lendas que seu povo criou. Virou deus Jomo. Cultuado,
adorado em muitos santuários espalhados pelas aldeias sagradas do Kenia. Jomo,
de sua própria fertilidade, teria tido 150 filhos, com 35 mulheres do seu harém.
Jomo avô de Kanu transformaria seu povo numa poderosa e reconhecida nação.
A tribo de Kanu experimentou grande período de paz, melhorias pras nações
e raças nos anos governados por Jomo. Cada aldeia pacificamente vivia, cessaram
os conflitos com os povos de outras tribos. Dera trégua às tribos violentas de
Garavian que por muitos anos invadiam, saqueavam e matavam vizinhos. Rebanhos
de ovelhas com seus cabritos pacificamente desde então pastavam. O cultivo de centeio,
noz, amêndoa, oliva sem ameaça de incêndios ou saques. Os pinheirais, cedros e
alabastros tudo floria nas sendas e searas. A floresta regozijava de paz e
harmonia. O bisonte pastando na dourada savana. A búfala fértil e abençoada,
animais tidos como sagrados. O búfalo vigoroso cobriria a fêmea, dentre os mais
forte da manada, a chifradas eram as fêmeas disputadas. Tudo era sinal de
progresso, de avanço. Todos os anos no mês de setembro celebrava-se a grande
festa da colheita de centeio. Muitas oferendas eram levadas aos altares de
Naomi e Oriban que representavam a deusa da fertilidade feminina, e o deus da
virilidade masculina. Naomi era representada por uma estátua de uma negra nua de
cinco metros de altura, toda ornada de pedras preciosas e semi preciosas, colares e grandes brincos, na cabeça um cocar,
os lábios espetado por três arestas de madeira fina, os olhos puxados como um mongol as mãos
mostravam as faces para frente, seu ventre era tatuado até o púbis e por sobre
as nádegas. Oriban um negro forte e
vigoroso cujo pênis avantajado aparecia por baixo da tanga semi ereto.
Mas vieram os anos das grandes tribulações. Os sábios da grande aldeia já
haviam previsto todas aquelas provações a muitas luas passadas. Tudo escrito no
livro gigante, da grande verdade. Os precedentes da tribo de Kanu viram descer
do Egito, nuvens do Nilo trouxeram as sete pragas que viera sobre o Faraó que
escravizou os israelitas a se espalhar por toda a África e consequentemente
chegou ao Kenia. Primeiro foram sete anos de seca e desolação, o que levaria
muitos a irem-se em bora, em busca de melhores dias. Depois veio a invasão das
moscas Tsé-Tsé que causavam a doença do sono. Outro grande abalo naquele povo.
Por último vieram praga de gafanhotos que devorou toda lavoura, morcegos e
corujas a noite importunavam os rebanhos. Além de uma praga de pardais que
invadiam a cumieira das cabanas enchendo de pichilinga e fezes as acomodações.
Uma parte da tribo resolveu Emigrar por terras desconhecidas até chegar ao
oceano Índico. Nunca tinham visto tanta água salobra junta. O mar parecia um
monstro que eles batizaram de Kaiju, pois tudo que era estranho, gigantesco,
aterrador eles chamavam de Kaiju. A incredulidade abateu a sua fé e puseram a
culpa nos deuses que adoravam. Produziram holocausto com seus primogênitos
inicialmente com filhotes de bisontes e carneiros. Até chegarem a sacrifícios
humanos.
Ao atingir os quinze anos, Kanu foi solicitada em casamento, por um jovem
de sua tribo chamado Kaijim. Entre os ritos pré-nupciais tinha um que o noivo
devia levar até a mãe da noiva uma réplica do seu pênis em estado erétil feito
de argila. O pai do noivo era encarregado de fazer com antecedência um
instrumento musical chamado kanun conhecido no oriente médio como soltério. Com
vinte e seis cordas finíssimas feitas de pelo de camelo, esticadas sobre uma
carapaça de tartaruga ou numa base de alabastro. Feito com exclusividade pra
ser tocado no dia do matrimônio, o instrumento ficava apoiado sobre as pernas,
tocado com palhetas de osso, marfim ou dente de tigre de sabre. Ao pai da noiva
era encarregado de produzir a bebida que deveria ser servida um mosto de frutas
fermentadas com tubérculos que embebedava facilmente. As mães dos noivos
preparavam a comida do cerimonial, a base de carne de búfalo cujos testículos
cozidos, tido como afrodisíaco, eram servidos ao noivo. Na madrugada que
antecedia ao dia do casamento todas as mulheres da aldeia saiam em grupo junto
com a noiva, todas procurariam seus parceiros para manterem relações sexuais.
Caso o marido não tivesse disposição para tanto, por tradição era aceito, somente
naquela ocasião, que qualquer daquelas mulheres, com exceção da noiva, deitasse
com outro nativo da tribo. Inclusive com o noivo prestes a casar se assim
concordasse.
Um mês já havia desde que Kanu e Kaijim se casaram quando o guerreiro que
vigiava o lado oeste das fronteiras do território Keniano chegou com a notícia
que os Kapots, uma tribo de negros pigmeus avançavam em direção ao Kenia
pintados de branco para a guerra. Em duas luas chegariam a aldeia onde Kanu
Kaijim e todos os seus entes queridos moravam. Havia uma tradição entre eles em
tempo de guerra que os velhos, as crianças e os recém casados não lutavam pois
estariam em quarentena matrimonial além do que a mulher naturalmente já trazia
ao ventre seu primeiro descendente . Eram aqueles levados pra uma gruta,
enquanto houvesse combate ficavam num lugar seguro. Ocorreu no entanto que Kanu
e Kaijim quebrando este preceito lutaram bravamente contra os Kapots. E foram considerados
os grandes heróis de guerra naquela batalha vitoriosa. Tanto que se
transformaram em líderes. Seus escudos e lanças eternamente consagrados na
bandeira de sua pátria. Para que os filhos dos seus filhos soubessem quem
realmente foram os verdadeiros heróis de seu povo.
Muitas luas se passariam até que Kanu e Kaijim descobrisse porque seu
povo eram tão bons velocistas. E porque seu povo teve que subir até o deserto
do Saara chegar ao Egito e atravessar o Mediterrâneo, mas isso era outra
história.
Fabio Campos 08 de setembro de 2015.
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