O PADRE E A SERPENTE (23º Episódio de T.F.)


O sol que descia do céu era o de meio dia. Sobre uma pedra de calcário, dois frasquinhos reluziam. O brilho chegava a doer nos olhos de quem se aventurasse encarar. Duas miniaturas de garrafa, ali no meio da aridez do deserto, semelhavam dois olhos da serpente de jade. Uma refletia azul e outra amarelo. Na verdade eram de vidro comum, devido ao conteúdo que encerravam refletiam tais cores. Um homem de meia idade, trajado de árabe se fazia ali. Mais parecia um alquimista. Estava sentado, debaixo dum pé de catingueira que malmente fazia sombra suficiente pra uma pessoa se abrigar. Mesmo assim ele tentava se proteger na ínfima sombra. Umas cabras aqui e acolá catavam, sobre o lajedo, o que comer. Com rapidez incomum, quase nervosismo apreendiam vestígios de vegetais, que seus faros apurados conseguiam detectar. Mastigavam freneticamente seixos, e capim seco. E suas vidas arriscavam tentando alcançar os olhos da catingueira. Único ponto verde no entorno.   

O homem estava como quem esperava. E esperar pra quem estar debaixo do sol quente, num sertão brabo não é nada animador. Aliás é até mesmo desesperador, de dar nos nervos. Sabia ele, que o que esperava viria. Só não tinha certeza se do céu, ou de debaixo da terra. Se desse sorte, talvez viesse  simplesmente andando sobre ela. O homem teve sede, e resolveu procurar algo para aplacá-la. Chegou debaixo dum umbuzeiro que só tinha galhos secos. Lembrou-se das Santas Escrituras “A Figueira amaldiçoada. E indagou-se no seu íntimo: “Mas porque Jesus amaldiçoou-a, se não era tempo de figos? Acontece que no Oriente se colhe figos em junho, e o evento provavelmente deva ter ocorrido em abril. Era de se esperar que houvesse ao menos frutos verdes. A esterilidade da árvore representava a improdutividade de Israel, que o mestre irá pronunciar no dia seguinte: “Eis que vossa casa vos ficará deserta. (Mateus 23:38)” 

Desembainhando sua faca peixeira o homem pôs-se de cócoras na base do caule. Com a faca feriu o lenho da árvore. Do corte extraiu casca e entrecasca até chegar ao miolo. Descobriu o que queria,  que havia umidade ali. Daí pôs-se a cavar freneticamente até chegar a raiz, até encontrar com muito esforço um tubérculo que parecia um inhame. Mordeu até conseguir um líquido muito parecido com água.

Morua-ru-ani chegou. Era um índio. Montava um cavalo preto e saudou o arqueólogo das Arábias com uma flexão do braço e antebraço formando um “éle” ao tempo que dizia alto: “Ha-yá!” O homem respondeu fazendo o mesmo gesto e pronunciando igual saudação, só que em tom mais moderado. Um índio navajo do rosto de pedra, em pleno sertão. Trazia uma tira de pano vermelho prendido na cabeça acima das orelhas passando pela testa. E a cabeleira negra se esparramava até os ombros. O cavalo tinha só uma corda de caruá que passava por cima das narinas e olhos. Uma espécie de cabresto. O índio montava no cru. Vestia uma roupa toda de lona cáqui que cobria-lhe peito e pernas deixando as vistas, os músculos vigorosos dos braços. Em sua própria língua o índio perguntou pelos demais. O homem que até então se mantivera calado com um resmungo diria, que até o presente momento, somente eles haviam chegado.

A irmã de Tagor estava entre as mulheres da tecelagem. Era um galpão enorme, cheio de teares onde centenas de mulheres fiavam cada uma num tear. Fabricavam linha que era conduzida por meio de roldanas pra outra parte da fábrica onde homens faziam o serviço mais pesado, a manufatura dos carreteis e embalagem. Era tudo muito rudimentar. A irmã de Tagor fora parar no ano de 1915 na fábrica da Pedra, sertão de Alagoas. Uma invenção do visionário Delmiro Gouveia. O que idealizou a segunda usina hidrelétrica do Brasil, para movimentar as máquinas de sua fábrica de carreteis de linhas. Colocou luz elétrica na vila dos moradores da fábrica. E fez isso praticamente sozinho. Como tinha ido parar lá naquele lugar, a irmã de Tagor realmente não sabia. Todos a conhecia pelo nome de Antonia da Apresentação. Como não sabiam ao certo de onde viera. Por ser polida, educada, e bela nos trajos e nas feições, os que a acharam deram-lhe esse nome. E garantiram que a encontraram desmaiada, bem no meio do vaso da Catarina. Se não fosse resgatada, àquela altura por certo teria virado pasto de cães do deserto, dos lobos Guarás e das aves de rapina. Realmente uma mulher muito bonita, acabou acompanhando um grupo de retirantes vindo do sertão da Bahia. Achavam que era muito provável que ela tivesse sido abusada por uma turba de ladrões e salteadores e daí tivesse ficado perturbada. Era o que deduziam. No entanto isso não a impediria de alistar-se na frente dos operários pra trabalhar na fábrica de tecidos de Delmiro Gouveia e por isso estava ali. Ganhara uma família, um casal de idosos a adotara. E se ajudavam. Sonhava encontrar Tagor, certa feita jurou tê-lo visto no meio da feira livre, num dia de sábado. Em vão tentou alcança-lo, desapareceu no meio do povo.

De repente a terra foi sacudida. O tremor fez Tagor se lançar em busca das duas garrafinhas que milagrosamente conseguiu resgatar intactas. Duma imensa cratera aberta no meio do sertão surgiu um robô como se fosse um totem de puro ouro. Um transformer, pelo porte devia ter uns três metros de altura, totalmente de ouro maciço. Ouro em estado de plasma, pois era como se possuísse pele humana, só que numa textura semilíquida do metal precioso. Possuía músculos, vértebras, ossos descomunalmente de ouro. Os olhos não tinham brilho e a boca e nariz eram como se não tivessem as cavidades naturais que os humanos possuem. Mas era vivo! Com sua voz de trovão falou: “-Eu sou Vectro o chefe dos alienígenas. Venho aqui para defender meus interesses, a descoberta de novas minas de ouro neste lugar. Fiquei sabendo de uma reunião. Porem vejo que os demais convocados ainda não chegaram, aproveitarei então pra fazer um reconhecimento do lugar”. E saiu deixando quase perplexos, o índio e Tagor. De fato a reunião só aconteceria se os demais convivas chegassem. Aguardavam a chegada de Antonieta, os três meninos das bicicletas, mestre Lucindo e Rafael. Derick e Pietro o italiano, estes juntaram-se a Seu Jorge, seguiram viagem no dirigível. Pietro fez uma loucura, cortou a capota do Fiat Uno tornando-o um conversível e acoplou ao dirigível que teve mais um motor de propulsão a impulsioná-lo. Mas que ficou ainda mais esquisito, isso ficou.

Vectro não precisou andar muito, pra chegar a uma aldeia. E logo foi cercado por muitos aldeões que se puseram a admirá-lo. Todos queriam tocá-lo. A criançada eram os mais exaltados. Queriam saber seu nome, de onde viera. Se viera pra ficar. E qual sua missão. Aquele povaréu humilde, como que carecia de um ídolo. Tagor via tudo pela câmara de seu “drone” novamente lembrou as Sagradas Escrituras: “O Bezerro de Ouro. Vendo que Moisés tardava a descer da montanha, o povo agrupou-se em volta de Aarão e disse-lhe: “Vamos: faze-nos um deus que marche à nossa frente, porque esse Moisés que nos tirou do Egito, não sabemos o que é feito dele.” Êxodo 32:1”  Talvez vissem no alien a única esperança de salvação. Talvez o herói de que necessitavam pra salvá-los de suas mazelas, de tanto sofrimento. Aquela abordagem inesperada. Aquele povo de raça inferior, para Vectro não passavam de vermes. E isso acabou irritando-o. Não deu outra, explodiu em cólera e de sua boca lançou labaredas de fogo sobre eles, e dos braços potentes destruiu e matou muitos.

O coronel Libório Matulão foi até a casa do padre Bonifácio Carnaúba juntamente com Tagor. O padre perguntou-lhe: “Senhor Tagor, o senhor trouxe a encomenda?” Ela fez um aceno de cabeça confirmando. A tal encomenda era justo as duas garrafinhas que o explorador aventureiro imediatamente colocou em cima da mesa e mesmo sem o reflexo do sol continuavam brilhando. Tagor garantia que continham de verdade, água do Rio Jordão numa, e um pouco de terra do jardim do Getsemani, noutra. Tagor daria de presente ao padre se lhe contasse uma história que tinha interesse em conhecer. Era o causo de outro padre, do sertão do Cariri, que vivera naquela região no fim do século dezenove. E que tem a participação dum cangaceiro, e uma cobra sucuri de vinte metros.


Fabio Campos, 14 de fevereiro de 2017.

Nenhum comentário:

Postar um comentário